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Fim de uma era de combate implacável à corrupção

STF VENUS ABr

 

Por Claudia Mastrange

A Operação Lava Jato, aquela que seria a maior ofensiva contra a corrupção da história do país, chegou ao fim, ao menos na versão em que se tornou mais combativa. A desativação formal foi determinada pelo Ministério Público Federal do Paraná. Em nota, o atual coordenador do grupo, o procurador Alessandro José de Oliveira, afirma que “o legado da força-tarefa da Lava Jato é inegável e louvável”, e ressalta que “ainda há muito trabalho” a fazer.

De acordo com o MPF, a investigação, deflagrada em 2014, continua, mas dentro do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF, no Paraná. A estrutura, no entanto, será reduzida. Foram 7 anos de atuação, 79 fases de operações que colheram materiais e provas que embasaram 130 denúncias contra 533 acusados, que resultaram em 278 condenações e 295 prisões.

E tudo isso incluindo um ex-presidente da República (Lula, condenado a 9 anos de prisão por Sérgio Moro e preso em 2017), ex-ministros, ex-governadores e um ex-presidente da Câmara, além de políticos de partidos variados, executivos, lobistas e empresários. Um combate à corrupção como nunca antes se tinha visto no país, e que fez o povo acreditar que – finalmente – ladrões de terno e gravata e corruptos de modo geral poderiam sim ir para a cadeia.

Na prática, o encerramento da força-tarefa significa que os procuradores que eram da Lava Jato poderão ter de dividir suas atribuições com outros casos. E o fato é que a Operação já vinha sofrendo uma série de reveses. Depois de tantos anos de vitórias no combate à corrupção, a Lava Jato passou a ser derrotada por decisões do Supremo e, ao mesmo tempo, pelo “fogo amigo” do MPF.  Parecia inevitável o seu fim.

Explosão de ilícitos impulsionou a Lava Jato

O início de toda essa história foi no dia 17 de março de 2014, quando um grupo de procuradores e agentes da Polícia Federal chegou ao Posto da Torre, em Brasília, a cerca de 3 quilômetros do Congresso Nacional, para uma ação de busca e  apreensão em apuração sobre lavagem de dinheiro. O alvo era o deputado paranaense José Janene e quatro doleiros, um deles o dono do local. A investigação, rotineira, abriu uma caixa de pandora quando bateu às portas da Petrobras, onde as irregularidades foram o gatilho que explodiu em dezenas de denúncias e na mega-operação que se tornaria a Lava Jato.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, garante que o fim da Lava Jato  não significa o abandono da luta contra a corrupção. O ano passado ele reestruturou a atuação da instituição: no lugar das forças-tarefas — provisórias e montadas com procuradores de comarcas diferentes —, o papel passará a ser desempenhado por núcleos regionalizados e fixos denominados Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos),, modelo que já havia sido delineado em uma resolução do Conselho Nacional do MPF de 2013.

Augusto Augusto Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a PGR :indícios do fim

A questão é que Aras sempre foi crítico ferrenho da Lava Jato. E o presidente Jair Bolsonaro deu um tiro no pé ao nomeá-lo para a PGR, ja que, em sua campanha eleitoral, levantou a bandeira do combate a corrupção, tendo em Sérgio Moro seu grande aliado após as eleições. Moro deixou a magistratura e tornou-se ministro da Justiça, mas a lua-de-mel chegou ao fim em  24 de abril de 2020, quando o superministro pediu demissão após a exoneração de Maurício Aleixo da Polícia Federal. Ele acusou o presidente de interferência por motivação política e os dois, de aliados, passaram a desafetos.

Antes disso, houve o que de pode considerar o primeiro revés na Lava Jato: a revelação de conversas entre o coordenador da operação em Curitiba, o procurador DeltanDellagnol e Moro, pelo site The Intercept em junho de 2019, que ficou conhecida como Vaza Jato. Foram reveladas conversas em que julgador e acusação articulavam em conjunto a operação e combinavam datas, procedimentos, convocação de testemunhas e ações políticas, sinalizando que os julgamentos não eram equidistantes nem justos.

Procurador Deltan Dalagnoll defende a prisão em segunda instância

Conversas vazadas entre Deltan Dalagnoll e Sérgio Moro: crise e enfraquecimento

O martelo batido para o fim da Lava jato acontece dias depois de o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski quebrar o sigilo de 50 páginas de conversas entre de Moro com os procuradores da Lava Jato, em especial DeltanDallagnol, chefe do grupo até setembro de 2020.

Essas mensagens trocadas pelo Telegram, interceptadas por um hacker, divulgadas pela imprensa, apreendidas e periciadas pela Polícia Federal e finalmente autenticadas por Lewandowski fazem parte do material que a defesa do ex-presidente Lula utiliza no processo que pede a suspeição de Moro e a anulação da condenação do petista no caso do triplex do Guarujá, pelo qual o Lula chegou a cumprir pena de prisão. Outras sentenças proferidas por Moro também poderão ser anuladas.

O procurador da República DeltanDallagnol declarou, nas redes sociais, que o fim da força-tarefa da operação “causa preocupações”. Especialmente, segundo ele, por conta da redução do número de procuradores que trabalham com dedicação exclusiva no caso, ampliando o prazo de investigações e promovendo o adiamento de operações.

Deltan ressaltou que a operação tem um “modelo de sucesso”, mas que é necessário implementar medidas de aprimoramento. “É necessário avançar mais, restabelecendo a prisão em segunda instância, extinguindo o foro privilegiado e promovendo reformas anticorrupção, o que dependerá, em última análise, da articulação da sociedade”, publicou.

Resta saber a quem realmente interessa pulverizar uma força ímpar de combate, que era o símbolo da luta contra à corrupção no país e detinha imensa aprovação popular. Só mesmo aos corruptos, àqueles que apostam na impunidade para seguir assaltando os cofres públicos em negociatas e roubalheiras em todos os setores. O povo, como sempre, é quem sai perdendo.

Fotos: ABr

 

 

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