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Juliano Moreira, o psiquiatra negro que revolucionou o tratamento das doenças mentais no Brasil

Foto: Reprodução

O médico entrou para a história num período em que o racismo era disfarçado de ciência

“Quantas são as raças? Onde termina a raça branca? Onde começa a amarela? Onde acaba? Onde começa a preta?”. Esses questionamentos foram feitos pelo médico Juliano Moreira em 1891, época em que a escravidão ainda estava vigente no Brasil, quando tinha apenas 18 anos, em sua tese inaugural para conclusão do curso da Faculdade de Medicina na Bahia, conforme descrito em artigo do pesquisador Ronaldo Ribeiro Jacobina. O médico psiquiatra baiano, nascido em 6 de janeiro  1872, entrou para os anais da história da ciência como fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil. Mas só um título não é capaz de dar a dimensão da trajetória do médico, tropicalista, dermatologista, alienista, psicólogo, naturalista e historiador da medicina brasileiro.

Juliano Moreira foi um menino negro e pobre da Bahia que entrou para a faculdade de medicina aos 14 anos. Sua tese de formatura ganhou repercussão internacional, por propor novas abordagens sobre a sífilis (uma das doenças que mais matava no final do século XIX).

Ele rebateu as teses de que a mestiçagem seria causa das doenças mentais, uma  posição minoritária entre médicos à época. Outra posição sua, divergente da de muitos alienistas, como eram chamados os profissionais especialistas em doenças mentais no século XIX, era a negação de que existiam doenças mentais próprias dos climas tropicais. Moreira nunca colocou em questão a teoria da degenerescência, mas sim seus fatores causais. Para ele, na luta contra as degenerações nervosas e mentais, os inimigos a combater seriam o  alcoolismo,  a sífilis, as verminoses, as condições sanitárias e educacionais adversas; o trabalho de higienização mental dos povos. E isto não deveria ser afetado por “ridículos preconceitos de cores ou castas”.

Entre 1895 a 1902,  Moreira realizou cursos e estágios sobre doenças mentais, visitando muitos asilos na Alemanha, França, Inglaterra, Escócia, Bélgica, Holanda, Itália e Suíça, onde teve contato com os principais profissionais e teorias da época. Moreira é considerado o introdutor de inúmeros estudos clínicos no Brasil, impulsionou a criação de laboratórios em hospitais e clínicas e foi precursor da psicanálise, numa época em que ainda não se discutia Freud no Brasil.

Foi responsável por transformações no modelo de atendimento psiquiátrico, com enfoque mais humano. Ele retirou as grades das janelas das enfermarias; aboliu os coletes e as camisas de força; criou o Pavilhão Seabra, onde os assistidos realizavam atividades que auxiliavam em sua recuperação e lhes traziam alguma renda. Criou a enfermaria infantil, apostou na música nos corredores do hospital como terapia e implantou oficinas artísticas antecipando-se à, posteriormente criada, terapia ocupacional.

Juliano Moreira é o patrono da cadeira 57 da Academia Nacional de Medicina. Em 2001, a Congregação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia aprovou a criação do Prêmio Juliano Moreira, que contempla, a cada semestre, o graduando em medicina que apresente as mais expressivas atividades de extensão ao longo do curso. Para preservar sua memória, foi criado o Memorial Juliano Moreira, como um setor do hospital psiquiátrico que leva seu nome em Salvador.

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