Frederico Garcia Lorca
Cai chuvosa a manhã sobre o jardim… No final duma ladeira lamosa e junto de uma cruz, verde e negra de umidade, está a porta de madeira carcomida que dá entrada ao recinto abandonado. Mais além há uma ponte de pedra cinzenta e na distância brumosa uma montanha nevada. No fundo do vale e entre penhas corre o rio manso cantarolando sua velha canção.
Em um nicho negro que há junto da porta, dois velhos com capas rasgadas aquecem-se ao lume de uns tições mal acesos… O interior do recinto é angustioso e desolado. A chuva acentua mais esta impressão. Escorrega-se com facilidade. No chão, há grandes troncos mortos… Os muros, altos e amarelos, estão cruzados de gretas enormes, pelas quais saem as lagartixas, que passeiam formando com seus corpos arabescos indecifráveis. No fundo há um resto de claustro com heras e flores secas com as colunas inclinadas. Nas fendas das pedras desmoronadas há flores amarelas cheias de gotas de chuva; nos chãos há charcos de umidade entre as ervas…
Não restam mais do que as altas paredes onde houve claustros soberbos que viram procissões com custódias de ouro entre a magnifica seriedade dos tapetes…
Uma coluna ruiu sobre a fonte, e ao celebrar suas bodas de pedra o musgo amoroso cobriu-as com seus finos mantos. Pelos vazios de um capitel jacente assomam ervas miúdas de verde luminoso.
Abrem-se as plantas umas com outras, a hera cobre as velhas colunas que ainda se têm de pé, a água que transborda da fonte lambe o solo de pedra que há em seu redor e depois se entrega à terra, que a bebe com repugnância… A restante se perde por um buraco negro, que a bebe com avidez.
(…)
A chuva aumenta e cai sobre o jardim produzindo ruído surdo e apagado… Umas folhas grandes estremecem suavemente e entre elas assoma com sua cabeça achatada um grande lagarto… que sai correndo a esconder-se entre umas pedras. Deixa a cauda de fora e depois se introduz de todo… As ervas que o peso do lagarto inclinou voltam preguiçosamente a ocupar sua primitiva posição… Com o vento, todas as flores amarelas tremem e se sacodem da água que têm entre suas pétalas… Há caramujos pregados aos muros… O tempo foi desapiedado para com este jardim: Secou seus rosais e cinamomos e, em troca, deu vida a plantas traidoras e mal olentes…
Não para a chuva de cair.
Garcia Lorca, Frederico. Prosa viva/Ideário coligido.
Trad. Oscar Mendes. Rio de Janeiro. J. Aguilar. 1975. p. 18-9.