Além de músico, Caetano também se destaca como cronista e pensador da cultura brasileira
Compositor, cantor, poeta, pensador e ativista, Caetano Veloso é uma das figuras mais influentes da cultura brasileira, há mais de cinco décadas misturando música, política e arte para provocar e encantar gerações. Nascido na pequena Santo Amaro da Purificação, na Bahia, em 7 de agosto de 1942, Caetano reinventou a forma de fazer música no Brasil e ajudou a colocar o país no mapa da vanguarda cultural mundial.
Filho do funcionário público Seu Zeca e da doce Dona Canô, Caetano cresceu em uma família grande, calorosa e profundamente musical. Na adolescência, inspirado pela irmã mais nova, Maria Bethânia — que se tornaria outra grande estrela da MPB —, mudou-se para Salvador e passou a frequentar rodas culturais, absorvendo tanto as tradições do samba-de-roda baiano quanto as novidades que chegavam dos Estados Unidos e Europa.
Nos anos 1960, ao lado de nomes como Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé e os Mutantes, Caetano foi um dos criadores do movimento tropicalista, que sacudiu a música brasileira ao misturar bossa nova, rock, psicodelia, samba e elementos da cultura pop. O disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circencis (1968) é até hoje um marco da música brasileira, com canções como Alegria, Alegria — em que Caetano aparece cantando com guitarras elétricas, causando choque e fascínio em plena era da MPB acústica — e Tropicália, uma espécie de hino à antropofagia cultural brasileira.
Artista politicamente engajado, Caetano foi preso em 1968 pelo regime militar, acusado de subversão, e logo depois exilado em Londres junto com Gilberto Gil. A experiência de viver fora do Brasil marcou profundamente sua obra, trazendo novas sonoridades e um olhar crítico sobre o país que deixara para trás. Canções como London, London e Não Identificado nasceram desse período e tornaram-se clássicos.
De volta ao Brasil nos anos 1970, Caetano consolidou sua carreira com discos históricos como Transa, Araçá Azul, Muito e Cinema Transcendental. Sempre inquieto, nunca se deixou acomodar: foi do samba ao rock, do reggae à MPB tradicional, do experimentalismo à música eletrônica, atravessando décadas com vigor criativo.
Além de músico, Caetano também se destacou como cronista e pensador da cultura brasileira, com livros como Verdade Tropical (1997), uma autobiografia que é também uma reflexão sobre a identidade nacional. Suas ideias e opiniões — sempre afiadas — renderam-lhe fãs e detratores, mas nunca indiferença.
Ao longo da carreira, recebeu inúmeros prêmios, incluindo Grammys e o reconhecimento como um dos maiores artistas do mundo. Sua influência atravessa fronteiras e gerações: artistas de diversos estilos, do pop ao rap, já declararam ter Caetano como referência.
Hoje, aos 82 anos,
dono de uma obra vasta e diversa, Caetano Veloso continua sendo um dos maiores embaixadores da música brasileira e um símbolo de resistência artística e intelectual. Seus shows ainda arrastam multidões no Brasil e no exterior, e suas novas composições — sempre atuais, por vezes polêmicas, outras vezes doces e intimistas — comprovam que sua chama criativa segue acesa.
O homem que um dia chocou plateias conservadoras ao empunhar uma guitarra elétrica é hoje visto como patrimônio da cultura nacional. Ainda assim, Caetano não abre mão de questionar dogmas, provocar debates e desafiar expectativas — seja criticando os rumos da política, seja dialogando com jovens artistas e novas tendências musicais. Essa inquietação permanente talvez seja seu maior legado: a recusa ao conformismo.
Pai de três filhos — Moreno, Zeca e Tom —, Caetano também se orgulha de ter transmitido sua paixão pela música à família, mantendo sua casa como um espaço de criação, liberdade e afetos. Nos últimos anos, apresentou turnês com seus filhos, reforçando a ideia de que sua história pessoal e artística se entrelaçam.
Mais que um cantor ou compositor, Caetano Veloso é uma espécie de cronista da alma brasileira. Suas letras, muitas vezes poéticas e ao mesmo tempo políticas, contam as dores e delícias de um país complexo, cheio de contradições. Seu olhar crítico, mas sempre amoroso, ajudou a moldar a maneira como o Brasil se enxerga e se apresenta ao mundo.
Entre versos e melodias, Caetano construiu uma carreira que atravessa o tempo sem perder a relevância. Aos que o admiram — e também aos que o criticam —, ele segue lembrando, em cada nova canção, que a arte é, sobretudo, liberdade. E que a liberdade se conquista, todos os dias, com coragem e beleza.
Caetano Veloso é, em essência, isso: coragem e beleza traduzidas em música. Um artista que ousou, provocou e encantou. Um brasileiro que, ao dar voz à sua verdade, ajudou milhões a encontrarem a sua própria.





