Fredi Jon jamais imaginaria onde a música o levaria naquela tarde abafada de 2002. Morador da zona Oeste de São Paulo, habituado a cruzar a cidade com sua inseparável craviola nas costas, Fredi já havia tocado para todo tipo de emoção humana: paixões desmedidas, despedidas choradas, pedidos de perdão à beira do abismo e casais que insistiam em recomeçar. Mas naquela tarde, havia algo diferente no ar. A missão não era apenas cantar — era decifrar um silêncio.
Wilma o contratara para surpreender o marido Roberval, em pleno aniversário de 48 anos e 10 anos de casamento. O local da serenata? A loja dele, no coração pulsante (e caótico) do centro de São Paulo. Ela confessou: o marido andava estranho, distante, gelado, como se vivesse em outro país dentro da mesma casa. Apostava tudo na música, como último fósforo tentando reacender um fogo antigo.
Na hora marcada, Fredi estacionou o carro a duas quadras da loja e foi caminhando. O que começou como um simples trajeto virou cena de filme. Uma senhora começou a segui-lo. Depois vieram dois motoboys, um camelô, um guarda de rua. Em minutos, Fredi estava sendo escoltado por um pequeno cortejo urbano, todos querendo saber quem era aquele homem com a craviola que caminhava como quem carrega uma missão.
Ao chegar, a multidão já se acumulava. Os seguranças da loja, entre espantados e apreensivos, montaram um cordão de isolamento improvisado. O centro estava fervendo, e um violão poderia tanto atrair amores quanto arruaceiros.
Fredi respirou fundo e começou. Cantou as músicas escolhidas por Wilma com alma e presença. A carta que leu parecia tremer em suas mãos — não pelo peso do papel, mas pela força das palavras. “Ainda te amo”, dizia o trecho final. Roberval, imóvel, parecia ouvir de outro lugar. No fim, a reação: um aceno breve, um “obrigado” educado demais, frio demais, desconcertante.
Duas semanas depois, nova ligação. Uma cliente chamada Fátima. Queria uma serenata parecida, com os mesmos detalhes. Para um homem especial. Dono de uma loja de eletrônicos no centro. Mesmo endereço. Mesmo número.
— Por acaso… o nome dele é Roberval? — perguntou Fredi, já com a espinha gelada.
Fátima arregalou os olhos, travou um segundo, e soltou sem filtro:
— P*** que pariu! Você já fez pra ele?!*
Foi ali que a caixa de Pandora escancarou. Fátima contou que Roberval era seu amante há quase oito anos. Tinha com ele um filho, Josué, de seis.
Fredi parou. O mundo girou devagar. Duas mulheres. O mesmo homem. Duas serenatas para o mesmo amor duplicado. Uma esposa tentando reacender uma chama. Uma amante acreditando que vivia uma história única.
E agora? Contar? Silenciar? Recusar o próximo trabalho? Ou seguir?
Seresteiro é artista, não juiz. Mas há momentos em que a arte esbarra na verdade, e ela não pede licença.
Fredi refletiu: quantos segredos cabem dentro de uma música? Quantas vidas a gente esbarra sem querer enquanto só tenta entregar beleza?
A vida é um samba torto. Às vezes, a gente canta pra reacender a chama… e descobre que tem fogo em duas casas.
E o mais curioso? Foi com Fredi Jon, e não com os segredos, que a história finalmente resolveu aparecer.





