O acesso à justiça eleitoral nas periferias e favelas brasileiras é mais do que uma questão jurídica — é um reflexo direto da qualidade democrática que se pretende construir. Em territórios marcados por desigualdade histórica, ausência do Estado e estigmas sociais, o direito ao voto não se realiza plenamente sem o direito à informação, à segurança e à representatividade.
Do ponto de vista sociológico, a justiça eleitoral deveria ser o instrumento que garante a inclusão política dos grupos marginalizados. No entanto, o que se observa é uma cidadania condicionada: o morador da favela vota, mas raramente é ouvido. A lógica da exclusão se perpetua quando campanhas não chegam, quando urnas são inacessíveis, e quando o medo — seja da violência ou da repressão — silencia a participação.
Sob o olhar antropológico, a favela é um espaço de resistência, cultura e identidade. O voto, nesse contexto, não é apenas um ato cívico, mas uma afirmação de existência. Contudo, o sistema eleitoral ainda falha em reconhecer os saberes locais, as lideranças comunitárias e os modos próprios de organização social. A justiça que ignora a linguagem e os códigos da periferia não é justiça — é formalismo.
Na dimensão filosófica, o acesso à justiça eleitoral nas periferias toca o cerne da ética pública. Kant, ao afirmar que “o ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo”, nos convida a pensar que cada eleitor, independentemente de sua origem, merece respeito, dignidade e escuta. Já Jürgen Habermas, ao defender a “ação comunicativa”, propõe que a democracia só se realiza quando há diálogo genuíno entre os sujeitos. E como dialogar com quem nunca foi convidado à mesa?
O Direito Eleitoral, nesse cenário, precisa se reinventar. Não basta garantir o sufrágio universal — é preciso assegurar que ele seja exercido com liberdade, consciência e segurança. Isso implica em campanhas educativas voltadas às comunidades, presença ativa da Justiça Eleitoral nos territórios vulneráveis, e políticas que promovam candidaturas oriundas das periferias, quebrando o monopólio das elites políticas.
A justiça eleitoral deve ser ponte, não barreira. Deve ser escuta, não imposição. Deve ser presença, não visita esporádica em tempos de eleição.
É urgente que o sistema eleitoral brasileiro deixe de ser apenas um ritual de números e votos, e se torne um espaço de construção de cidadania real. Que a favela não seja apenas cenário de campanha, mas protagonista de transformação. Que o voto do morador da periferia não seja apenas contado — mas considerado. Porque onde a justiça não chega, a democracia não acontece.
E se a democracia não acontece nas favelas, ela não acontece de verdade em lugar nenhum.



