O uso dos mercenários faz parte da tradição bélica ocidental, desde a antiguidade. Um mercenário é, efetivamente, um civil estrangeiro recrutado pela parte em conflito para participar nas hostilidades, os quais se beneficiavam, geralmente, de uma remuneração, por vezes, superior à dos seus homólogos do exército regular. Por muito tempo, os mercenários foram à espinha dorsal dos exércitos europeu. Mas com a Revolução Francesa e a instituição de recrutamento, combatentes não nacionais passaram a ser vistos como homens sem fé e sem lei que se vendiam pelo lance mais alto, atribuindo, atualmente, ao termo mercenário uma conotação muito negativa.
A atração pelo lucro, claro, mas também o compromisso ideológico e a sede de aventura foram as principais motivações destes homens espalhados pelo mundo, alguns dos quais se tornaram legenda, como Giuseppe Garibaldi.
Ao contrário da crença popular, falsamente alimentada por gerações, de que nossa emancipação de Portugal tenha sido um momento pacífico e de confraternização entre brasileiros e portugueses, nos enganamos, a história não foi bem assim.
Mudança histórica e nova era raramente são episódios pacatos. Este pensamento era bastante claro na mente do Imperador e de seu conselheiro, que pouco tempo após o Grito do Ipiranga, providências foram tomadas para que o Brasil passasse a contar com forças armadas capazes de garantir a soberania do recém-criado Estado. Uma tarefa não muito fácil levando- se em conta que uma porção significativa do então território nacional, ainda se encontrava ocupada por tropas leais à Coroa Portuguesa. . Era imperativo contar com militares profissionais capazes de fazerem frente aos militares portugueses bem treinados e que se recusaram a aceitarem a mudança de status, a solução estava, então, na Europa. No período imediatamente ao fim das guerras napoleônicas, o que não faltava no Velho mundo eram homens bem treinados, testados nos campos de batalha e, sobretudo, desempregados. A resposta de D. Pedro e de seu braço direito José Bonifácio foram a contratação de mercenários europeus, “os estrangeiros do imperador”, homens dedicados ao ofício das armas.
Esse contingente de soldados da fortuna permitiu não apenas que o Brasil se mantivesse unificado como garantiu, também, a sua independência.
Em meio a inúmeras rebeliões e conflitos que eclodiram no país após a independência de Portugal, um episódio pouco explorado pela historiografia envolvendo os estrangeiros chamou a atenção, pelo fato de ter causado pânico na capital do império, a Revolta dos Mercenários. Neste período o Governo Imperial fazia grande esforço para enviar soldados para enfrentarem, em Montevidéu e no Rio Grande do Sul, a guerra da Cisplatina (1825-1828).
Enquanto o conflito transcorria, a segurança do Rio de Janeiro ficou a cargo de dois batalhões de caçadores e dois batalhões de granadeiros, compostos por mercenários estrangeiros contratados pelo governo para suprir e carência e necessidade de soldados.
O Quartel da Praia Vermelha, o Quartel dos Barbonos e até o Mosteiro de São Bento serviram de instalações para os mercenários. Eram instalações insalubres infestadas de baratas, de ratos, de mosquitos e outras pragas mais, as quais tornavam a vida desses soldados um inferno. Tudo isto somado a uma refeição de péssima qualidade, a febre amarela, acrescido dos maus tratos por parte dos oficiais, concorria para minar as forças físicas e os ânimos dos mercenários alemães. Nos quartéis havia, ainda, mercenários irlandeses considerados os mais degenerados, cujo álcool contribuía para agravar, ainda mais, o comportamento deles.
Os irlandeses, em sua maioria agricultores, chegaram ao Brasil em 1827, junto com suas famílias, ludibriados pelo agenciador Cotter, que lhes prometeu terras sem fazer referência direta ao serviço militar. Quando, aqui, desembarcaram, cerca de 300 homens foram levados à força para alojamentos imundos e sem alimentação, obrigando-os a mendigar pelas ruas, sob o escárnio da população. Daí a explicação para a entrega às bebidas e a revolta desse povo.
Nos quartéis do Rio de Janeiro, a rotina de chicotadas, palmatórias, cipoadas e pranchadas eram utilizadas para manter a disciplina dos soldados. Alguns castigos eram aplicados diante da tropa formada e com uma banda de música tocando retretas alegres para abafar os gritos dos que estavam sendo castigados, uma cena dantesca. A ordem era não se refrescar para manter a disciplina. Os soldos eram pagos com meses de atraso, chegando a atingir anos e quando vinham eram acompanhados por descontos absurdos. Logo, havia motivos suficientes para que um dia os mercenários se rebelassem. Os castigos corporais, não eram em si o que revoltavam os mercenários e sim a arbitrariedade e o despotismo com que eram aplicados por parte dos oficiais. Um soldado alemão condenado a 800 chibatadas chegou a suportar 500 chibatadas, como descreveu o ex-soldado alemão Schichthorst em seu livro de memórias. As costas dos mercenários eram “pasto da chibata brasileira”. Outro problema era que o comando dos soldados alemães estava nas mãos de outros estrangeiros. As autoridades do Império não atinaram que, um dia, a tolerância dos mercenários alemães iria terminar. A situação de tensão nos quartéis estava prestes a explodir e houve quem ofereceu a pólvora.
O motim foi causado pelos mercenários alemães descontentes e revoltosos contra a punição brutal de um de seus membros de batalhão, ordenada pelo Major Francisco Pedro Drago, oficial de um dos batalhões de Granadeiros. Os camaradas irlandeses se juntaram, então, aos revoltosos em uma arruaça desenfreada de três dias com a destruição de uma cidade (desprovida de tropas regulares para reprimir a rebelião) e de seus habitantes. Durante três dias turbulentos de junho de 1928, a cidade experimentou um incidente, singularmente violento, uma revolta militar em larga escala, liderada pelos mercenários irlandeses e alemães.
Os rebelados se dirigiram ao Palácio Imperial para exigir a demissão do major, mas não foram recebidos, exaltados dirigiram-se a residência do Major Drago que a depredaram e depois a incendiaram. Durante os três dias (09, 10, 11 de junho de 1928) os mercenários praticaram todo tipo de desordem pela cidade. Invadiram a sede do Ministério do Exército, onde, hoje, funciona o Palácio Duque de Caxias, no Campo de Santana. Arrombaram o almoxarifado e apossaram-se de armas que encontraram e entrincheiraram no local. O Governo Imperial contou com o apoio da Brigada de Artilharia da Marinha, de marinheiros de navios franceses e ingleses, atracados no porto, e até de escravizados que se juntaram com único propósito, conter a revolta.
Nos combates cerca de 240 mercenários perderam suas vidas, mais de 300 feridos, do lado oposto cerca de 120 mortos e por volta de 180 feridos. Um dos líderes do movimento, August Von Steinhousen foi condenado à morte e outros obtiveram penas diversas. O então Ministro da Guerra General Barroso Pereira perdeu o cargo por causa do motim. Os batalhões de tropas de mercenários foram dissolvidos, aos que restaram e mereceram foram alocados no exército brasileiro como soldados de baixa patente a serviço dos duques e barões da época.
Num período de três anos, o Imperador abdicaria de seu trono, já que sua autoridade estava, fatalmente, corroída, e entre outros fatores foi à revolta dos mercenários um fator preponderante.
Nomes como Lord Cochrane, comandante Grenfell e o Capitão John Taylor foram decisivos nas guerras de independência, especialmente, contra a resistências nas então províncias da Bahia, do Maranhão e do Pará. Sem eles acredita-se que o Brasil poderia ter perdido parte do seu território, separado por províncias interessadas em manter, na época, o vínculo com Portugal.
O Comandante Bartholomew Hayden, irlandês, John Taylor, inglês acabaram constituindo família no Brasil. Grenfell foi representante diplomático do país, no Reino Unido, e Lord Cochrane recebeu da Monarquia o título de Marquês do Maranhão.



