Maria do Prazeres Benevides Ramos deixou legado de preservação cultural e valorização da música popular nordestina
Maria do Prazeres Benevides Ramos, conhecida como Dona Lia do Coco, nasceu em Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, região marcada por forte tradição popular. Desde criança, cresceu envolvida pelo coco de roda, pela ciranda e pelas manifestações culturais de sua terra. Aos 10 anos, já cantava através dos festivais dos terreiros que seu pai organizava, que também era ligado às cantorias, e começou a guardar e transmitir músicas de domínio público, fortalecendo a oralidade que sustenta grande parte da cultura popular brasileira.
Aos 20 anos, Dona Lia se une a Mestre Ramos, seu esposo, e ao sogro para dar início ao que chamava de “minha sambada”, um espaço próprio de criação artística, onde podia experimentar novos temas e desenvolver sua identidade musical. Nesse ambiente, que chegou a competir com a tradicional festa organizada por seu pai, encontrou a liberdade necessária para compor e apresentar seus cocos autorais.
Apesar de dedicar mais de cinquenta anos à arte, Dona Lia só lançou seu primeiro álbum em 2015, intitulado “Meu Coquerá”, que reuniu cerca de 30 faixas, entre composições próprias e músicas tradicionais da Zona da Mata pernambucana. Sua voz forte e marcante levou para os palcos e gravações a autenticidade de ritmos como o coco de roda, a ciranda e o cavalo-marinho, se tornando referência como mestra da cultura popular.
A cantora viveu parte de sua vida em Igarassu, cidade onde era profundamente querida e reconhecida. Foi ali que ocorreu seu velório, no Sítio Histórico, reforçando o vínculo que tinha com a comunidade. Ao longo da trajetória, recebeu homenagens e reconhecimento institucional, que destacavam sua importância como guardiã de saberes e tradições locais.
Dona Lia também se tornou exemplo para novas gerações, mostrando que a cultura popular pode resistir e florescer mesmo diante da falta de incentivos. Sua carreira tardia no mercado fonográfico não diminuiu a força de sua mensagem: pelo contrário, se tornou símbolo de perseverança e de valorização do que é genuinamente brasileiro.
Dona Lia do Coco morreu em 16 de agosto de 2021, aos 73 anos. Sua partida foi sentida em Pernambuco e em todo o Brasil, mas seu legado permanece.
“Quando eu morrer, minha voz fica no ar. Quando se lembrar de mim, bote o CD para tocar”, disse Lia.
O legado de Dona Lia do Coco é o de uma intelectual popular, mestra de saberes, capaz de articular identidade, pertencimento e resistência por meio da música. Sua contribuição permanece viva em cada roda de coco, em cada ciranda e na memória de todos que celebram a cultura nordestina como patrimônio imaterial do Brasil.