A mulher que revolucionou a música brasileira e abriu alas para a liberdade
Francisca Edviges Neves Gonzaga nasceu em 17 de outubro de 1847, no Rio de Janeiro, filha de um militar do Exército Imperial e de uma mulher mestiça e ex-escravizada. Desde criança, demonstrou um talento incomum para a música: aos 10 anos já tocava piano com fluência e improvisava melodias. Seu pai, no entanto, queria que ela seguisse os padrões sociais da época — casar-se e abandonar qualquer ambição artística.
Aos 16 anos, casou-se com o oficial Jacinto Ribeiro do Amaral, mas a relação durou pouco. Chiquinha recusou-se a viver em um casamento opressivo e separou-se, algo impensável para uma mulher do século XIX. Perdeu a guarda dos filhos e enfrentou forte rejeição da sociedade carioca, mas decidiu viver de música — uma escolha que definiria sua vida e mudaria o rumo da cultura brasileira.
A luta por espaço em um mundo masculino
Na segunda metade do século XIX, o Rio de Janeiro fervilhava com os sons do lundu, da modinha e das polcas vindas da Europa. Foi nesse ambiente que Chiquinha começou a se destacar como pianista e compositora profissional, tocando em salões, lecionando e criando canções próprias. Em 1877, lançou “Atraente”, uma polca que se tornou sucesso imediato e a consolidou como figura central da nascente música popular urbana.
Além do talento, Chiquinha enfrentava o peso do preconceito. Ser mulher, separada e artista era um escândalo para a elite imperial. Mesmo assim, conquistou espaço e respeito, tornando-se a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Sua postura firme e carisma abriram caminho para outras artistas e compositoras, transformando o papel feminino na cultura nacional.
Música, abolicionismo e engajamento político
Chiquinha não se limitou aos palcos — sua arte foi também instrumento de luta. Participou ativamente do movimento abolicionista, vendendo partituras para arrecadar fundos destinados à libertação de pessoas escravizadas. A música, para ela, era expressão de liberdade.
Em 1899, compôs “Ó Abre Alas”, a primeira marcha carnavalesca da história do Brasil. A canção, escrita para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro, é até hoje símbolo do Carnaval e representa a fusão entre a música popular e o espírito libertário da artista. Chiquinha também se engajou na defesa dos direitos autorais, lutando para que compositores fossem reconhecidos e remunerados por suas obras — algo pioneiro para o país.
O legado de uma mulher à frente do seu tempo
Chiquinha Gonzaga viveu intensamente até os 87 anos, falecendo em 28 de fevereiro de 1935, no Rio de Janeiro. Deixou mais de 300 composições, entre polcas, valsas, lundus e tangos, além de trilhas para operetas e teatro de revista. Sua obra ajudou a moldar a identidade musical brasileira, unindo ritmos populares e elementos eruditos.
Em reconhecimento à sua importância, o Dia da Música Popular Brasileira é celebrado em 17 de outubro, data de seu nascimento. Sua história inspirou peças, livros, novelas e o movimento feminista contemporâneo, que vê em Chiquinha uma das primeiras mulheres brasileiras a viver de forma autônoma e a transformar arte em resistência.
Uma pioneira que ainda inspira
Mais de um século após suas conquistas, Chiquinha Gonzaga continua sendo símbolo de liberdade e inovação. Ela mostrou que a música pode ser uma forma de emancipação — pessoal, social e cultural — e que as mulheres podem ocupar todos os espaços, inclusive os palcos antes negados a elas.
Sua trajetória, marcada por coragem e talento, ecoa na voz de cada artista que desafia padrões. Chiquinha não apenas abriu alas para o Carnaval brasileiro, mas para gerações inteiras de mulheres que encontraram na arte um caminho de afirmação e igualdade.





