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Ars Gratia Artis: Cabo Finisterra

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O vento marinho, um sopro ancestral que me chama, amassa a vegetação retorcida em Cabo Finisterra. Há mais para onde ir?, apenas o infinito azul à frente; espelho que reflete a vastidão em mim, sopro inóspito e estranhamente familiar. O fim traduzido na confusão das marés do meu sangue coagulado, sinto também na pele úmida e no sal que gruda nos lábios; ‘não’ é um ponto final neste limiar que pulsa… convite para um retorno que nunca aconteceu, mas que sempre termina.

À luz do entardecer, um rasgo de fogo no céu, derrama-se sobre as águas, pintando-as de um laranja melancólico como um engasgar-se num quase-medo. A última sombra de fé de um dia que se esvai me traz a saudade impossível, a promessa silenciosa que me conforta: a continuidade – atraída pelas artimanhas do Nada – trará um novo amanhecer; verá meu olhar anestésico.

Cada um dos impossíveis que se desdobram aos meus sentidos não me revela seus segredos, apenas acontece. O prelúdio dos meus sonhos é o Fernweh, essa ânsia por terras distantes e desconhecidas, que me puxa para cá, e que, ironicamente, carrego em meu próprio nome.  , perdida num velho navio à deriva… Um navio que, como uma mariposa levemente desesperada pela luz que a consumirá, é irresistivelmente atraído para as entranhas de Caríbdis, para o abismo onde a própria alma se entende porto e nau de/em todos os fins e de/em todos os inícios.

‘- Quem lhe fez a promessa da Grande Metamorfose?’, ouço por detrás da porta que se abre para um lugar onde a saudade se transforma em reencontro:  antídoto para as chagas psicofísicas que nos afligem.

Cabo Finisterra. O mar sussurra histórias de retornos que ecoam em minha própria jornada, um retorno a um lugar que precede a memória. 

Cada coisa que morre na praia é o impulso para a próxima, cada fim de maré, a promessa de outros retornos, assim como eu, Fernweh, para um lugar que me espera. O fim de uma jornada é a porta aberta para outra, um portal para o lugar de onde sinto que vim: o fim de um instante, o convite para que o tempo se reinicie em meu espírito, me aproximando do destino sem rosto. A vida, sentida no sal da pele e no rugido constante do oceano, é essa dança perpétua, onde o fim de tudo é o eterno começo de tudo, um ciclo que se repete em mim e nesses mundos, sempre me guiando para o Mistério, farol para a alma humana em sua busca incessante por outras e outras e sempre outras buscas.

O vento marinho, um sopro ancestral que me chama, amassa a vegetação retorcida em Cabo Finisterra… convite para um retorno que nunca aconteceu, mas que sempre termina. A última sombra de fé de um dia que se esvai me traz a saudade impossível, sinto a monótona insatisfação que nos move, a incerteza que ilustra a ‘Editável’ existência ‘- Quem lhe fez a promessa da Grande Metamorfose?’. Cada coisa que morre na praia é o impulso para a próxima, cada fim de maré, a promessa de outros retornos, assim como eu. Cabo Finisterra.

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