A cutelaria é uma arte, uma ciência de elegância. Maestria e know-how são os dois elementos indispensáveis à criação de um objeto de arte. O profissional transforma a matéria para criar um utensílio harmonioso, útil e refinado. Para cada peça, o artista utiliza, na sua totalidade, a matéria-prima de forma artesanal e independente antes de ser personalizada. O cuteleiro digno de seu nome faz opção somente por material não industrializado e selecionado com o maior cuidado para atender as exigências do oficio.
O jornal Diário do Rio foi ao encontro do profissional da forja Bruno Zagallo de Amorim para conhecer um pouco de seu trabalho e desse fantástico universo da arte de transformar: a cutelaria.
Em que instante a cutelaria despertou sua atenção e interesse?
Quando comecei na cutelaria não imaginei que ela se tornaria uma profissão de verdade. Estava no Maranhão trabalhando em um projeto pelo Museu Nacional, de conservação da ictiofauna do Rio Tocantins, coordenando a parte de campo com os pescadores locais. Eu ficava de duas a três semanas por mês no estado, muitas das vezes sozinho. Por conta desse trabalho e dessa estadia realizei minha primeira obra: uma espada de samurai, feita de forma arcaica, sem nenhuma técnica, desbastando somente um pedaço de aço cru. Depois fiquei, aproximadamente, cinco anos sem sequer forjar o metal.
Quem te inspirou e te iniciou, verdadeiramente, neste universo?
Depois de um certo tempo, após o término do projeto, voltei para morar em Miguel Pereira. Foi então que fui apresentado ao Sr. Nelson Furtado, um mestre de oficina, aposentado da Rede Ferroviária Federal S.A. e responsável pela minha iniciação no mundo da cutelaria. Foi o senhor Nelson quem me ensinou as técnicas da profissão e que me ajudou, através de livros que me emprestou, a buscar conhecimentos que me ajudaram a desvendar e me apaixonar pela arte. Aprendi a forjar com ele. Tornou-se um grande amigo e mestre, aos 86 anos. Forjando juntos, aprendendo e observando as artimanhas da forjaria e de outras artes.
Você segue um estilo ou uma linha na sua elaboração?
Cada cuteleiro desenvolve seu próprio estilo e, mesmo querendo “imitar” outros, isso não se traduz em sua obra final. Cada artesão tem uma marca própria, o jeito único que martela o aço quente, o jeito que aperta a lâmina contra a lixa, a forma que dá ao cabo, a forma que enxerga sua arte, tudo isso é único. Eu comecei utilizando material reutilizável, capas de rolamento, molas de suspensão de automóveis, sucata em geral. Hoje, tenho fornecedores sérios com aço certificado e de vários tipos: inoxidável, aço alto carbono, cada um bem específico para cada tipo de faca a ser fabricada.
Como é feita a escolha do design e o tipo de faca a ser confeccionada?
A maioria das facas que produzo é por encomenda. Geralmente, converso com o cliente sobre suas preferências quanto ao uso do material, uso prático, suas vantagens, tamanho da lâmina, do cabo, material do cabo, etc. Quando faço uma lâmina de criação própria busco inspiração em grandes mestres da cutelaria, geralmente russos, japoneses e americanos. Mas sempre com meu estilo! Procuro só “copiar” uma lâmina, quando solicitado por um cliente e, mesmo assim, costumo não chamar de cópia e sim de releitura.
São muitos os processos de elaboração da obra até a sua conclusão?
A fabricação de uma lâmina requer vários processos minuciosos e o tempo para a execução de uma faca varia muito, não só pelo tamanho. Às vezes fazer uma faca pequena, mas elaborada, demora bem mais do que o tempo que se levaria com uma maior e rústica. Dependendo dos processos envolvidos, se vai ser de recorte ou se vai ser totalmente forjada à mão, tipo de cabo, espiga, integral, materiais utilizados… Como toda arte, demora, requer tempo humano e por isso são mais valiosas.
Bem mais que um simples utensílio de cozinha, a faca é uma verdadeira obra de arte que não para de evoluir através dos tempos. Desde a Idade Média, a faca é passada de utensílio a objeto de coleção. E conservando sempre seu lugar sobre as mesas e de destaque dos grandes chefes de cozinhas do mundo inteiro.
Vitor Chimento, biólogo e jornalista
MTb 38582RJ
vitor.chimento@diariodorio.com.br