Por Claudia Mastrange
A dramática novela da crise da saúde no Rio de Janeiro pelo visto ainda terá muitos capítulos tristes pela frente. Os atrasos no pagamento de parte dos profissionais da rede municipal da Saúde, agravando ainda mais as péssimas condições de atendimento, ocasionaram a intervenção da Justiça nas contas da Prefeitura. Diante disso, o prefeito Marcello Crivella determinou, em 17 de dezembro, a paralisação ‘pontual’ das movimentações financeiras, incluindo o 13º do funcionalismo, como forma de ‘reorganizar o caixa’. Os pagamentos foram retomados dois dias depois com a promessa de que tudo fosse regularizado até o final do mês, mas ainda há muito o que melhorar no setor.
Segundo a presidente do Sindicato dos Enfermeiros, Mônica Armada, foi feito um pedido à Justiça. “A gente pediu uma prioridade na audiência. Que assim que o dinheiro entrasse para as Organizações Sociais (OSs), que fosse priorizado o pagamento dos trabalhadores, e não os serviços. O INSS, essas coisas, deixa para depois. Pagar primeiro os salários”, declarou ela no dia 18 de dezembro.
A greve dos funcionários das OSs, que administram parte das unidades da saúde municipal, começou em 10 de dezembro. Com três meses de salários atrasados, eles decidiram paralisar atividades de atendimento ambulatorial e reduzir equipes nas emergências. Tudo por conta da falta de repasses da Prefeitura às Organizações Sociais.
Algumas unidades das clínicas da família chegaram a suspender o atendimento e a maioria das unidades, incluindo hospitais como o Albert Schweitzer, em Realengo, passaram a atender com metade da capacidade. Funcionários fizeram manifestações e, além do atraso dos salários, protestaram contra a falta de insumos e medicamentos, enfermarias superlotadas por conta da insuficiência de profissionais e da grande demanda, entre outros problemas. O cenário caótico não vem de hoje e inclui ainda a fila do Sisreg (Sistema de Regulação), em que pacientes muitas vezes demoram dois ou três anos para conseguir marcar atendimento.
Diante desse cenário, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-RJ) determinou o arresto de R$ 300 milhões nas contas do município e vem usando os valores encontrados para efetuar os pagamentos devidos. A Prefeitura também pediu ajuda ao governo federal e o Ministério da Saúde se comprometeu a repassar um aporte de R$ 152 milhões como ajuda emergencial.
A crise na saúde do município motivou ainda uma ação civil pública por parte da Defensoria Pública do Rio de Janeiro e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) contra a Prefeitura carioca. As duas instituições consideram que a situação beira o colapso e sustentam que a gestão do prefeito Marcelo Crivella retirou pouco mais de R$ 1,6 bilhão do orçamento da pasta desde 2017.
O mais estarrecedor é que, em meio ao caos, Crivella − o prefeito que prometeu “cuidar das pessoas” − chegou a declarar em viva voz, por meio de suas redes sociais, que “não há crise. É fake”. Impossível é convencer disso o motoboy Isaac de Souza, que se desesperou ao ver seu pai morrer, após agonizar sem atendimento, por cinco horas, após um infarto, em uma maca na Coordenação Emergencial Regional (CER), no Leblon.
A diretora do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Valeska Antunes alertou que pagamento dos servidores coloca um ponto final na greve, mas não resolve a situação da Saúde. “A gente permanece em unidades com falta de insumos básicos. Farmácias, material estéril, alimentação, limpeza e uma série de coisas que esperamos que sejam resolvidas rapidamente”, disse Valeska em entrevista.
O que esperar em 2020?
O ano novo chegou e, com ele, o imenso desafio de colocar a Saúde do Rio em níveis minimamente dignos de atendimento à população. O fato é que, de acordo com o Tribunal de Contas do Município (TCM), o Rio tem, atualmente, uma dívida de R$ 3,2 bilhões. Só no primeiro ano da gestão Crivella, o município contraiu R$ 2,5 bilhões. O portal da transparência do Rio mostra que, além da dívida, em julho de 2019 o caixa operava com um déficit de R$ 4,5 bilhões. Ou seja: R$ 19 bilhões em despesas com compromissos assumidos contra R$ 14,5 bilhões de arrecadação.
O endividamento foi na contramão das promessas de campanha de Crivella para a Saúde. Ele assumiu o município anunciando que iria municipalizar as unidades de pronto-atendimento, além de criar clínicas só com médicos especialistas para encurtar o tempo entre os exames e os tratamentos e cirurgias indicados à população. Ao contrário disso, tratou de devolver ao governo do estado os hospitais Albert Schweitzer e Rocha Faria, que haviam sido municipalizados pela gestão anterior para amenizar a crise da saúde estadual.
Negociando com a Prefeitura em busca de soluções, o governador Wilson Witzel, além de criar um gabinete de crise para acompanhar os gigantescos problemas da saúde do município, fechou acordo com Crivella para repassar um total de R$ 36 milhões ao Rio. Serão remessas mensais para ajudar a Prefeitura com os custos dos dois hospitais.
À população, resta continuar de olho e cobrar que o poder público e a Justiça se mobilizem e viabilizem a recuperação da Saúde do Rio, incluindo aí a valorização dos seus profissionais, para que o cidadão tenha um atendimento básico decente. A questão é priorizar verbas para o setor, a despeito de absurdos como o aumento do fundo eleitoral para 2020, além de revisar questões como isenções fiscais para grandes empresas. Combinar gestão responsável e competente e vontade política. Certamente há muito o que se fazer no ano que se inicia.
Fotos: Agência Brasil