Por Sandro Barros
O ano apenas começou e a França segue polarizada entre população e governo. A greve contra o projeto de reforma previdenciária, que começou em 5 de dezembro e afeta especialmente ferrovias e transporte público de Paris, segue firme e forte e já se espalhou para outros setores.
A greve e as paralisações causadas pela reforma previdenciária já é a mais extensa crise social da história contemporânea da França, pois é maior da que paralisou o país por 28 dias em 1995, quando o então primeiro-ministro liberal Alain Juppé, sob a presidência de Jacques Chirac, apresentou uma reforma no sistema de aposentadoria.
No final de 2019, em seu discurso na véspera de Ano Novo, o presidente Emmanuel Macron defendeu sua reforma, que descreveu como um “projeto de justiça e progresso social”. Embora tenha orientado seu gabinete a negociar rapidamente um compromisso com os sindicatos, ele não se referiu a nenhuma medida concreta para alcançá-lo, nem explicou o que oferecerá aos trabalhadores. Em uma tentativa fútil de reduzir as tensões, Macron afirmou que “o apaziguamento deve ser imposto ao confronto”. Ele também disse que está convencido de que levará sua proposta de reforma até as últimas consequências.
Reforma impopular
O presidente permaneceu firme nos pontos básicos da reforma impopular e controversa que vem se formando desde sua campanha presidencial, que visa a todo custo alcançar um sistema universal de pensões. A proposta é fundir os 42 esquemas de aposentadoria existentes em um único sistema de pontos, além de atrasar idade de aposentadoria de dois anos – de 62 a 64 anos – para receber uma pensão completa.
A universalização seria utilizada para nivelar por baixo as condições de todas as categorias, estabelecendo um novo sistema de cálculo, única e exclusivamente por pontos. Pela proposta, durante sua vida profissional e no final dela, o número de pontos será convertido em uma pensão, calculando o valor do ponto. A diferença é radical, uma vez que, no atual modelo, as aposentadorias são financiadas por contribuições pagas pelos trabalhadores. No sistema de capitalização proposto por Macron, o capital que os trabalhadores acumularem é que financiará a aposentadoria.
Insatisfeitos com esse retrocesso, caminhoneiros, professores, advogados e médicos, entre outros, exigem a retirada total do projeto. Os funcionários públicos também estão entre os mais atacados, uma vez que o projeto acabaria com as disposições do Código de Pensões. Em suma, seria o fim da regra de cálculo com base nos últimos seis melhores meses.
Greve que segue
Os sindicatos protestam contra o projeto de reforma previdenciária de Macron, pois prevê a abolição de regimes especiais de setores como a ferrovia, que é vital para a sociedade francesa. Em resposta a esse projeto, em 5 de dezembro começou uma greve geral indefinida que paralisou grande parte do transporte e levou centenas de milhares de manifestantes de diferentes categorias às ruas das principais cidades francesas. Houve vários dias de manifestações, paradas de trem, metrôs e ônibus.
Funcionários da Ópera de Paris realizaram um concerto do lado de fora da sede dessa instituição, como sinal de para denunciar a tentativa do Executivo de acabar com o regime especial de que gozam os membros da instituição cultural, uma das mais antigas da França, concedido pelo rei Luís XIV em 1698, e que permite que os dançarinos se aposentem aos 42 anos e os músicos aos 60. Em duas semanas de greve, mais de 50 apresentações foram canceladas, com perdas acima de oito milhões de euros.
Os trabalhadores paralisaram os serviços de trem e metrô em todo o país durante o período de Natal e Ano Novo. As interrupções continuam na primeira semana de janeiro. Com o bloqueio dos terminais de ônibus, tanto na capital quanto em outros locais, são evidentes os graves efeitos no transporte público, com menos da metade dos trens internacionais e circulando entre regiões e cidades. O metrô de Paris mantém o cenário difícil que o caracteriza desde 5 de dezembro, com apenas duas das 16 linhas operando normalmente, ambas automatizadas.
Primeiro recuo do governo
A recusa de Macron em ouvir as reivindicações dos trabalhadores e reprimir as manifestações com gás lacrimogêneo fez com que os sindicatos reafirmassem sua decisão de não cederem em sua luta. E um outro dia de mobilizações de ruas aconteceu em 9 de janeiro, com diversos protestos registrados em todas as regiões do país, sendo a principal na capital francesa. A mobilização teve novos episódios de violência policial contra manifestantes.
Dois dias depois, em 11 de janeiro, no 38º dia de greve, o primeiro-ministro Édouard Philippe anunciou uma suspensão provisória do aumento da idade mínima de 62 para 64 anos para se ter acesso à aposentadoria integral. Foi a primeira vez que o governo se mostrou aberto a negociar algum ponto da alteração das regras previdenciárias. No entanto, a retirada definitiva dessa medida será condicionada a negociações, com as lideranças sindicais e a patrões, que visem encontrar equilíbrio e financiamento das pensões.
Lideranças da central sindical CFDT consideraram um sinal “da vontade do compromisso do governo” e disseram que vão continuar as negociações. Já para outra central sindical, a Solidaires, “a pseudo retirada anunciada é uma prova concreta de que a força de nosso movimento pode levar o governo a recuar mais”. Para a entidade, garantir novos dias de lutas é fundamental, pois somente com a mobilização contínua será possível obter a retirada total da reforma previdenciária. (com informações de agências internacionais)
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