Por Cláudia Mastrange
“Sonho de rei, de pirata e jardineira…”. O verso da letra de ‘Pra tudo se acabar na quarta-feira’, composto pelo mestre Martinho da Vila para a Vila Isabel, é uma das poesias musicais que descrevem o carnaval. A festa popular mais esperada do ano e que em 2020 promete reunir cerca de sete milhões de turistas no Rio de Janeiro, é sinônimo de movimentação turística e financeira, mas também de alegria, fantasia e recheada de História.
A festa do carnaval chegou oficialmente ao Brasil no século 17. Os primeiros eventos foram trazidos pelos portugueses e tinham o nome de entrudo, uma brincadeira em que se atirava bolas de cera com líquido perfumado, os chamados limões de cheiro. Começam a surgir também os grandes bailes de carnaval na cidade, que acabariam por incentivar outras formas de diversão, como os passeios ou ‘promenades’, aos moldes do então já quase extinto carnaval romano. A ideia de se deslocar para os bailes em carruagens abertas – um preâmbulo para os atuais desfiles – seduzia a elite econômica, que tinha ali uma oportunidade de exibir suas ricas fantasias ao povão e “civilizar” o carnaval.
A inspiração vinha de todo lado. O carnaval de Veneza, com seus pierrots, colombinas e máscaras típicas. Os costumes africanos também foram incorporados, formatando o nosso carnaval. Os escravos usavam máscaras e fantasias feitas de penas, ossos, grama e outros elementos, pois acreditavam em seu poder de invocar os deuses e afastar maus espíritos. Tudo isso passou a fazer parte dos ornamentos e adereços nas fantasias usadas até os dias de hoje.
Na segunda metade do século 19, a alegria de momo ficava por conta das Grandes Sociedades Carnavalescas ou clubes sociais que promoviam festas diversas, e na época da folia, antes do aparecimento das escolas de samba, organizavam cortejos carnavalescos ou desfiles pelas ruas do Rio com uso alegorias, geralmente fazendo sátiras ao governo. Eles competiam entre si e eram compostos pela elite da cidade. Havia ainda os ranchos e as divertidas batalhas de confete.
Já no século 20, a festa começou a se transformar e tomar de assalto a antiga Avenida Central, posteriormente Avenida Presidente Vargas. Ali surgiram os chamados cordões e ranchos carnavalescos, estes com a participação das camadas mais populares, que deram origem aos blocos e escolas de samba. Esse termo, “escola de samba”, foi criado pelo cantor e compositor Ismael Silva, porque os sambistas eram denominados de professores, por conta do prestígio que possuíam.
O samba como divisor de águas
O primeiro baile de carnaval do Rio aconteceu em 1840, com os foliões dançando polca e valsa. O samba seria introduzido na folia por volta de 1917, sendo o elemento fundamental para o surgimento das escolas de samba. Nascido no oeste africano, foi trazido ao Brasil pelos escravos, que encontravam em suas manifestações culturais um alívio para tanto sofrimento. Com a abolição da escravatura, muitos desses libertos se estabeleceram em lugares como a Cidade Nova e a Praça Onze, que se tornaram grandes centros de samba. O ritmo foi se tornando popular e compositores, músicos e passistas passaram a se reunir regularmente para exibir seus talentos, formando clubes e associações que competiam uns contra os outros. Assim surgiram as escolas de samba.
A Deixa Falar foi a primeira escola de samba, fundada em 1928 por sambistas do Estácio, entre eles Ismael Silva. A ideia era criar um bloco de carnaval que dançasse e evoluísse ao som de samba, diferente dos ranchos, que eram embalados pelas marchas-rancho, que usavam também instrumentos de sopro e metal e tinham um ritmo mais pausado e cadenciado.
Em 1932 o jornalista Mario Filho, proprietário do jornal Mundo Sportivo organizou e patrocinou o primeiro desfile oficial de escolas de samba na Praça Onze. O jornal tinha entre seus quadros de redação compositores famosos como Armando Reis, Antônio Nassara e Orestes Barbosa.
As escolas foram surgindo e se desenvolvendo e surgiu a Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro, para organizar os desfiles das escolas de samba no carnaval carioca. A partir daí, as escolas de samba evoluíram em seu crescimento e organização até o colossal carnaval moderno que vemos hoje.
Outro marco da evolução dos desfiles no Rio foi a fundação do Sambódromo, em 1984. Até então, as escolas desfilavam em uma das mais antigas ruas do Rio, a Avenida Presidente Vargas. Com a crescente popularidade do carnaval, surgiu a necessidade da construção de estruturas de concreto, constituindo arquibancadas, em ambos os lados da pista da Rua Marquês de Sapucaí. Com o projeto de Oscar Niemeyer, a construção foi batizada de Sambódromo e tornou-se palco dos desfiles no Rio de Janeiro.
VÁRIAS FORMAS DE BRINCAR…
Entrudo
Os foliões saíam às ruas e jogavam não só limões de cheiro, com água perfumada nas pessoas, mas também ovos, farinha e líquidos mal cheirosos. A brincadeira, inicialmente familiar, tornou-se popular e um tanto agressiva. Por vezes causava incidentes sérios e, por isso, a prática foi proibida em 1853.
Grandes Sociedades ou clubes sociais
Surgiram na metade do século 19 e promoviam festas diversas e, na época de carnaval, organizavam cortejos carnavalescos ou desfiles pelas ruas do Rio com uso de alegorias e pessoas da alta sociedade. Em 1855, um clube chamado Congresso das Summidades Carnavalescas fez seu primeiro desfile pelas ruas da cidade. Um de seus fundadores foi o escritor José de Alencar.
Cordões
Os cordões tinham este nome por andarem em fila, com seus participantes caminhando e dançando um atrás do outro, com os foliões mascarados. O grupo era conduzido por um Mestre e obedecia a um apito de comando e instrumentos de percussão ditavam o ritmo da brincadeira. Tem-se o ano de 1886 como data de surgimento, com a fundação do cordão chamado Estrela da Aurora. Entretanto, a existência de cordões é bem anterior aos registros históricos.
Ranchos
Os ranchos surgiram no final do século 19 e ganharam mais destaque na primeira metade do século 20. Eram associações que realizavam cortejos de carnaval, com a presença de Rei e Rainha ao som das chamadas marcha-rancho. Tinha sempre um mestre de harmonia, um mestre de canto e um mestre de sala, que era responsável pela coreografia. Alguns historiadores consideram que os ranchos são uma herança de antigas manifestações como a Folia de Reis
Corsos
No início do século 20 os corsos e batalhas de confete ganharam as ruas, no início da era automobilística. Carruagens enfeitadas e, posteriormente automóveis, desfilavam com suas respectivas capotas de lona abaixadas, geralmente na Avenida Central (atual Av. Rio Branco) e Avenida Beira Mar, repletos de foliões fantasiados. Quando os veículos se entrecruzavam, os grupos de foliões fantasiados jogavam confetes, serpentinas e esguichos de água ou lança-perfume uns nos outros.
Blocos
Os blocos foram considerados um meio termo entre os ranchos e os cordões, que não eram muito bem vistos e se tornaram a inspiração para ‘grupos de samba’, que buscavam aceitação social, e que viriam a ser as escolas de samba a partir da década de 1930. Os primeiros blocos licenciados pela polícia do Rio de Janeiro datam e 1889, entre eles o Zé Pereira, Bumba meu Boi, Estrela da Mocidade, Piratas do Amor, Teimosos do Catete, Guaranis da Cidade Nova, Prazer da Providência e Prazer do Livramento.
‘DINHEIRO FALTA, MAS NÃO FALTARÁ SAMBA NO PÉ’
Milton Cunha, apresentador e carnavalesco
Carnaval é a indústria cultural da criatividade. A grande pegada do entretenimento cresceu muito. Hoje, você tem sociedades inteiras oferecendo experiências de alegria. O turista não quer mais só contemplar, ele quer vivenciar e experimentar. Então, essa coisa de você estar dentro da pulsação é o que mudou na sociedade. Antes, você contemplava os desfiles das escolas de samba, e hoje você quer participar. É muito interessante ver como o turismo de carnaval também vai para as ruas. O folião quer ir para bloco. Ele quer pular na arquibancada. Não quer só ficar vendo aquela belezura. Ele quer suar também junto.
Vai ser um ano de um carnaval economicamente difícil, o dinheiro foi curto. E aí, me parece que samba nó pé vai ser o diferencial. As escolas vão ter que superar essa dureza econômica e se colocar com toda alegria na avenida. Que as baterias pulsem! Que os sambistas sambem muito porque acho que quem for mais feliz leva. Dinheiro falta, mas não faltará samba no pé. Acho que a escola mais feliz, a mais sambada, a mais sambista, vai levar. Dinheiro não tem… Só a Viradouro que é a rica da parada, mas barracão nunca ganhou carnaval. Eu já vi tantas ricas que chegaram lá na hora e se esbagaçaram. Claro que a Viradouro tem um grande enredo, tem um grande samba, uma grande comunidade, então, tem muita chance. Mas acho também que Beija-Flor, Grande Rio, Mocidade − com enredo sobre a Elza Soares − são as ‘bambambam’ da parada e têm tudo para arrasarem!
Fotos: Reproduções