Por Sandro Barros
Durante treze dias, o país assistiu a paralisação de uma parcela do efetivo policial do Ceará. Desde o início da greve, em 18 de fevereiro, registrou-se uma média de 34 pessoas assassinadas por dia, mais de uma por hora. Entretanto, a paralisação acendeu o alerta sobre o risco de situações semelhantes se repetirem em outros Estados e sobre o próprio direito de greve dos policiais militares.
Segundo diversos analistas de Segurança Pública, as condições para novas paralisações radicalizadas das polícias se repetem em vários Estados:. De um lado, governos com os cofres vazios enfrentam dificuldade para oferecer reajustes salariais e melhores condições de trabalho às forças de segurança; e de outro, policiais que se sentem mais fortalecidos a pressionar governadores devido à ascensão política de vários representantes da categoria nos últimos anos, com destaque para a eleição do presidente Jair Bolsonaro.
Para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Minas Gerais, Paraíba, Santa Catarina, Pernambuco, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Bahia e Alagoas são alguns Estados em que, no momento, também há forte pressão de policiais por melhores salários e condições de trabalho. Em Minas, um dos três Estados com pior situação financeira do país, o governador Romeu Zema (Novo) cedeu às pressões e concedeu um reajuste escalonado de 41% até 2022. Ainda assim, os policiais mineiros argumentam estarem apenas ganhando uma reposição da inflação após seis anos sem qualquer aumento.
A conquista dos policiais de Minas está sendo vista como um gatilho para o aumento da pressão nos outros Estados. No Ceará, o governo propôs conceder o reajuste a ser pago em três parcelas: em março deste ano, março de 2021 e março de 2022. A primeira parcela será maior, de 40% do reajuste, e as duas posteriores de 30%, além de incorporação das gratificações. Dessa forma, ao final o salário de um soldado da PM será elevado dos atuais R$ 3.200 para R$ 4.500.
Aumenta o número de greves
Embora greve dos policiais militares seja ilegal no Brasil, as paralisações vêm aumentando. Estudo do sociólogo José Vicente Tavares dos Santos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a partir dos dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que houve 715 greves de policiais no país entre 1997 e 2017, das quais 52 de policiais militares. O levantamento indica que a frequência aumentou nos últimos cinco anos desse intervalo: foram 329 greves de 2013 a 2017.
Na avaliação do professor, o grande número de greves reflete não só reivindicações por melhores salários e condições de trabalho, mas também a falta de clareza no Brasil sobre o papel da polícia na democracia. A Constituição não só nega aos policiais o direito de greve — direito esse, diga-se de passagem, existe em vários países, entre eles os Estados Unidos — como os criminaliza quando cruzam os braços.
E a criminilização aos policiais grevistas do Ceará não foge à regra: quase 300 militares foram punidos. E mais: taxada de “motim” pelo governo local, a greve foi encerrada, mas isso não significa que a situação esteja resolvida. O governador Camilo Santana (PT) e seus aliados na Assembleia Legislativa prometem que não haverá concessão de anistia os trabalhadores fardados. “É preciso que se reafirme que não haverá anistia para esse tipo que não é policial militar, é amotinado, é bandido”, declarou o presidente da Assembleia, José Sarto (PDT).
Minoritário ainda dentro das corporações, o grupo Policiais Antifascismo tem levantado esse debate e defendido a desmilitarização das polícias estaduais. Para o delegado de polícia Fernando Alves, coordenador do grupo no Rio Grande do Norte, seria positivo que a categoria pudesse se organizar em sindicatos e fazer suas reivindicações seguindo normas legais e em articulação com outros servidores públicos, em vez de mobilizações de caráter mais corporativistas. “A militarização, além de ser um obstáculo para a modernização da polícia, também tolhe direitos dos policiais, inclusive o direito à greve”, afirma.
Enquanto o debate acontece, outras greves de policiais militares podem ser deflagradas a qualquer momento, ainda que não sejam consideradas legais.