Por Sandro Barros
O isolamento social é uma medida essencial para diminuir a propagação do novo coronavírus. Entretanto, ele trouxe uma consequência dramática: o aumento da violência doméstica, pois as vítimas ficam mais desprotegidas dentro de suas próprias casas. No Rio de Janeiro, o número de denúncias desse tipo de violência cresceu 50%. Para entender mais sobre o assunto e como as vítimas podem proceder, entrevistamos Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ).
Como exatamente a Defensoria Pública auxilia as mulheres vítimas da agressão doméstica?
Tanto os tratados internacionais sobre Direitos Humanos como a Lei Maria da Penha fazem a previsão de que a mulher, em situação de violência de gênero, deve estar acompanhada de advogado. E a Defensoria é um grande instrumento de acesso à Justiça da mulher em situação de violência doméstica, pois iremos garantir que as suas demandas cheguem ao Poder Judiciário e para que ela não seja revitimizada pelo sistema de Justiça quando busca a solução judicial para o seu problema.
Qual o papel da instituição nesse contexto?
A partir do momento em que a vítima resolve denunciar, ou mesmo levar ao Judiciário a sua situação de violência, ela pode e deve estar acompanhada de advogado ou de defensor ou defensora pública. Temos essa missão institucional. Uma de nossas atribuições, estabelecida por lei complementar, é a defesa dos direitos da mulher vítima da violência doméstica. Então, a Defensoria está sempre de portas abertas para as demandas de mulheres que estejam nessa situação.
Todas podem buscar esse auxílio?
A assistência é de forma integral e gratuita, mas a mulher pode buscar o serviço da Defensoria Pública ainda que ela não seja economicamente insuficiente para contratar um advogado. A razão de vulnerabilidade em relação à violência sofrida já justifica que a Defensoria atue em seu favor.
E como é essa atuação?
A mulher pode buscar orientação tanto em nosso núcleo especializado, que é o Nudem (Núcleo de Defesa das Mulheres Vítimas de Violência de Gênero), ou também buscar os órgãos da Defensoria junto aos Juizados de Violência Doméstica. Na capital do Rio de Janeiro são 11 juizados. Temos algumas portas de entrada à proteção da mulher prevista na Lei Maria da Penha. Muitas pessoas entendem que a única porta de entrada é a Polícia Civil, mas na verdade a mulher não é obrigada a denunciar para poder acessar sua proteção. Não existe essa condição na citada Lei.
Pode explicar melhor isso?
Muitas mulheres não querem que os seus supostos agressores respondam criminalmente pela violência praticada. Então elas podem buscar orientação na Defensoria Pública, pois podemos fazer requerimentos das medidas preventivas de urgência, ainda que as vítimas não tenham registrado ocorrências. E uma informação muito importante: nesse momento da pandemia, mulheres que tiverem dificuldades para registrar ocorrências podem buscar o atendimento da Defensoria para que possamos requerer as medidas protetivas de urgências. Mas, se ainda assim, elas quiserem fazer os registros, também podem buscar nossa orientação. E, se for o caso, podemos até mesmo oficiar a Delegacia de Polícia, questionando o porquê da vítima não ter sido atendida ou não ter conseguido acessar o serviço, uma vez que as delegacias estão funcionando para medidas urgentes, dentre elas as de violência doméstica e familiar, ainda que não envolvam agressão física, ainda que tratem de violência moral, psicológica e, principalmente, para os casos graves de violência física e sexual.
Aumentou a procura pelos serviços da Defensoria durante a pandemia?
Baseado na minha experiência atendendo vítimas de violência doméstica e familiar desde 2011, o número desse tipo de violência sempre foi elevado, mas também sempre foi subnotificado. Em momentos de normalidade a mulher já tem dificuldades de acessar a sua proteção por diversos fatores, não só a dependência econômica do seu agressor, que é a hipótese mais comum, mas também por uma dependência emocional e pela falta de uma rede familiar de suporte para esse momento de violência. Tudo isso já contribuía para um índice muito alto de subnotificações.
Como o isolamento agrava essa situação?
A Defensoria está fazendo um atendimento através de WhatsApp e e-mail. Isso também dificulta muito o acesso da mulher aos nossos serviços, inclusive até mesmo o acesso à Justiça. Sabemos que na realidade social do Brasil, muitas mulheres têm dificuldade em acessar esses canais eletrônicos, por diversos fatores, inclusive pela dificuldade em digitar ou narrar toda a sua situação de forma coerente. Somente agora, na quinta semana de isolamento [no momento em que a entrevista foi concedida], o atendimento diário do Nudem chegou ao número que era realizado em situação de normalidade, de forma presencial. Isso foi aumentando gradualmente. Por um lado é bom, pois as mulheres estão conseguindo acessar, mas ainda assim fica o desafio, dentro das medidas restritivas do isolamento, de pensarmos estratégias que viabilizem o acesso de todas as mulheres, inclusive as que não têm acesso à tecnologia.
Qual o seu recado final?
O que venho notando agora é que essa situação do isolamento social contribuiu, na verdade, para uma maior vulnerabilidade das mulheres, associada a uma maior dificuldade de acesso à rede de proteção. Então, o meu recado é que as instituições estão funcionando, ainda que com todas as dificuldades, com todas as restrições. Não estão abertas fisicamente, mas possuem canais de comunicação remotos para tratar e viabilizar a proteção integral às mulheres em situação de violência.
DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO
Canais de atendimento remoto para mulheres em situação de violência doméstica
WhatsApp: (21) 97226-8267
E-mail: nudem.defensoriarj@gmail.com