Número de brasileiros na miséria quase triplicou e hoje soma 27 milhões, mais que a população da Austrália
Por Alan Alves
A pandemia atingiu os sistemas de saúde e as economias de todos os países e provocou a queda da renda das famílias, que têm sofrido os impactos. Sobretudo no Brasil, um efeito colateral e perverso foi a acentuação da pobreza e de outro “vírus” tão devastador quanto o da covid-19: a fome. De agosto de 2020 para cá, o número de brasileiros abaixo da linha de pobreza extrema quase triplicou e hoje soma 27 milhões, o que corresponde a 12,8% dos habitantes e mais que a população da Austrália, segundo levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas.
É considerado pobres quem tem renda mensal inferior a R$ 469, conforme critério do Banco Mundial. Já os extremamente vivem com menos de R$ 162 mensais. Em 2019, antes da pandemia, 51,9 milhões estavam abaixo da linha da pobreza, enquanto 13,9 milhões eram extremamente pobres. Com o valor menor do auxílio emergencial este ano, a situação deve piorar: o Brasil deve somar 61,1 milhões na pobreza e 19,3 milhões na extrema pobreza, segundo estudo publicado esta semana pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo.
No Rio, conforme a FGV, mais de 745 mil passaram a viver na pobreza na pandemia, equivalente ao total das populações de Niterói e Magé. Com isso, o estado passou a ter 2,6 milhões (15,1% da população) na miséria, segundo a Firjan, com base em dados do Ministério da Cidadania. Além disso, ainda segundo a Firjan, o estado já acumulou mais de um milhão de demissões em postos de empregos formais desde março de 2020.
Para piorar, o preço dos alimentos teve um salto em todo o país. Nos últimos 12 meses, a inflação da cesta básica foi superior a 20% em boa parte das capitais, segundo o Dieese — no Rio, cesta custa R$ 612,56, a quarta mais cara do país. O resultado é a falta de comida na mesa: segundo pesquisa feita em dezembro pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mais de 116,8 milhões estavam em situação de insegurança alimentar ou passando fome no país. O número, mais da metade da quantidade de brasileiros, engloba pessoas que não se alimentam como deveriam, com qualidade e em quantidade suficiente.
Auxílios ajudam, mas não suprem necessidades
A liberação de recursos para a população, como o auxílio emergencial, foi a salvação para milhões de brasileiros e ajudou a evitar o avanço ainda maior da pobreza. Inicialmente, o benefício foi pago em cinco parcelas de R$ 600 e R$ 1,2 mil (para mães solteiras chefes de família), até setembro, e, depois, estendido até 31 de dezembro com parcelas reduzidas de R$ 300 e R$ 600 (no caso das chefes de família). Cerca de 67,9 milhões de pessoas foram contempladas.
Com o auxílio, a taxa de extrema pobreza foi reduzida a 2,4% e a de pobreza a 20,3% em julho. Em agosto, o índice de pessoas abaixo da linha da pobreza foi 4,52% e, depois da interrupção do auxílio, a partir de janeiro, o número de pobres voltou a subir, superando a marca de antes da pandemia.
O auxílio só voltou a ser pago agora em abril, mas para menos pessoas e com um valor inferior, que sequer dá pra suprir necessidades básicas e reduzir a miserabilidade. A nova rodada do benefício, com parcelas de, em média, R$ 250, é paga agora a apenas uma pessoa por família, sendo que mulheres chefes de família recebem R$ 375 e pessoas que vivem só ganham R$ 150. Com o novo critério, 45,6 milhões são beneficiados, 22 milhões a menos que em 2020.
No Rio, a prefeitura começou a pagar em março o Auxílio Carioca a pessoas carentes e ambulantes. Os valores variam de R$ 200 a R$ 500, mas são pagos em parcela única, o que, para muitos, também é insuficiente. O executivo municipal também lançou iniciativas de apoio às empresas, como o Auxílio Empresa Carioca, que destina até um salário-mínimo por empregado que ganhe, no máximo, três salários-mínimos, e o Crédito Carioca, linha de crédito voltada aos pequeno e médio empresários. Mas as iniciativas também não cobrem o rombo causado no setor.
O governo do estado, por sua vez, aprovou o “Supera Rio”, que prevê parcelas mensais entre R$ 200 e R$ 300 a famílias carentes, mas, embora tenha sido prometido já para este mês, ainda não saiu do papel.
Campanhas contra a fome arrecadam doações
Várias campanhas em todo o país arrecadam alimentos para quem mais precisa. Uma delas é a “Brasil sem fome”, realizada há mais de 30 anos pela ONG Ação da Cidadania e que conta com apoio da sociedade civil e setor privado. Outro movimento criado para combater a fome é o Panela Cheia, lançado nesta semana e chancelado pela Unesco, por meio de parceria da Central Única das Favelas (CUFA) com a Frente Nacional Antirracista (FNA), a Gerando Falcões e o União SP. A ação pretende arrecadar recursos para comprar duas milhões de cestas básicas para diversos estados.
Na capital fluminense, a campanha Rio Contra a Fome também arrecada itens de cesta básica para a população em maior vulnerabilidade. As doações podem ser feitas no ato de vacinação contra a Covid-19, nos mais de 250 postos municipais. Em 18 dias, a campanha já juntou mais de 20 toneladas de alimentos.
É preciso, mais do que nunca, cobrar dos governos municipais, estaduais e federal adoção de medidas mais eficazes para acabar com a fome. É preciso também que a sociedade civil e a iniciativa privada, sobretudo as grandes empresas, bancos, indústrias de diversas áreas, como a do ramo de alimentação, juntem esforços para ajudar os mais vulneráveis. O combate à fome precisa ter a unidade de todos os setores da economia no sentido de buscar meios para minimizar essa situação.