Wilson Witzel (PSC), enfim, pagou o pato pelo vírus da corrupção. Acusado de crime de responsabilidade por envolvimento em fraudes na compra de equipamentos e celebração de contratos irregulares durante a pandemia da Covid-19, ele teve o impeachment aprovado por unanimidade (10 votos a 0), na sexta-feira (30), pelo Tribunal Especial Misto (TEM).
Ele estava afastado provisoriamente desde agosto de 2020, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agora, com o impeachment aprovado por deputados e desembargadores, ele fica destituído definitivamente do cargo de governador do RJ – o atual governador em exercício, Cláudio Castro (PSC), vice de Witzel, agora assume o posto em definitivo.
O primeiro voto lido na sessão foi o do relator do processo, o deputado Waldeck Carneiro (PT). Ele disse que foi devidamente assegurado ao réu o direito de defesa e votou pela condenação. Em seguida, também acompanharam o voto do relator os desembargadores José Carlos Maldonado, Teresa Castro Neves, Fernando Foch, Ines da Trindade Chaves de Melo e Maria da Gloria Bandeira de Mell, e os dos deputados Carlos Macedo (Republicanos), Chico Machado (PSD), Alexandre Freitas (Novo) e Dani Monteiro (PSOL).
O julgamento foi o último capítulo do processo, iniciado há quase um ano, após autorização da Alerj — o pedido foi protocolado pelos deputados Luiz Paulo (Cidadania) e Lucinha (PSDB). O processo foi alvo de inúmeros recursos de Witzel no Supremo Tribunal Federal (STF), como forma de tentar sua suspensão. O último recurso foi negado na véspera do julgamento pelo ministro Alexandre de Moraes.
Caixinha de propina e lágrimas de crocodilo
Duas acusações motivaram o pedido de impeachment. Uma delas foi a requalificação da Organização Social (OS) Unir Saúde. Witzel decidiu, por ato de ofício, reverter a desqualificação da entidade, que apresentava uma série de irregularidades na gestão de unidades de saúde do Rio, permitindo que ela voltasse a contratar com o estado. A decisão contrariou pareceres técnicos anteriores.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que o governo estabeleceu ainda um esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos a organizações sociais (OSs). A acusação afirma que foi montada uma espécie de caixinha de propina paga por OSs na área da Saúde, inclusive na liberação de restos a pagar, e que Witzel era um dos beneficiários. Conforme a investigação, o valor total de propina arrecadado pelo grupo teria sido de R$ 55 milhões.
A outra acusação que levou ao impeachment está relacionada à contratação de hospitais de campanha. Para os membros do Tribunal, Witzel teve participação na contratação da OS Iabas para a construção e operação de sete unidades de saúde, cujo contrato apresenta uma série de ilegalidades. Embora tenham sido pagos R$ 256 milhões dos R$ 770 milhões previstos, apenas dois dos sete hospitais entraram em funcionamento — o do Maracanã e o de São Gonçalo, com número de leitos inferior ao previsto.
Em seu interrogatório, na última etapa antes da conclusão do processo, no início do mês e, Witzel chorou ao se defender das acusações – para muitos, lágrimas de crocodilo –, acusou o ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos de ter recebido propina e alegou que não tinha como saber que o então chefe da pasta integrava um grupo criminoso. Edmar também foi ouvido e, por sua vez, acusou o Witzel de manobras que levaram ao impeachment.
Corrupção e caos na saúde: quem sofre é o povo
A população mais carente, que depende do sistema público de saúde, é quem paga o pato pela corrupção dos governantes. Os leitos dos hospitais de campanha que não saíram do papel poderiam desafogar o atendimento na rede pública e reduzir ou até mesmo extinguir a angustiante fila por leitos. Além disso, o dinheiro descaradamente desviado poderia estar sendo usado hoje para equipar mais unidades de saúde e evitar que o estado chegasse nas mais de 40 mil mortes por covid-19.
O hospital do Maracanã, por exemplo, foi alvo de diversas denúncias: funcionários relataram falta de pagamento e de equipamentos. Com o fechamento das duas unidades de campanha, os materiais foram levados para um galpão e, com a delação premiada do ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos, no início do ano, descobriu-se irregularidades envolvendo equipamentos superfaturados, respiradores obsoletos, macas que quebravam com o peso do paciente, máscaras de papel e outros absurdos. O aluguel do galpão custava aos cofres públicos R$1 milhão/mês.
Os desmandos administrativos e a corrupção endêmica que assolam o Rio tornaram ainda mais caótica a situação da saúde pública, sobretudo na pandemia. E, para que isso não se repita, é preciso que as punições para os corruptos sejam cada vez mais rígidas e exemplares.