Em 2022, quando são comemorados os 100 anos da Semana de Arte Moderna, “Ecos do Moderno ao Contemporâneo” celebra a data no primeiro semestre, até o início de maio. Sob curadoria de Edson Cardoso, Cota Azevedo e Anete Mendonça, a mostra tem caráter itinerante e percorre quatro cidades. No Rio de Janeiro, a primeira data acontece no dia 24 de fevereiro, no Centro Cultural Correios RJ, no Centro.
De acordo com os organizadores, “Ecos do Moderno ao Contemporâneo – 100 Anos da Semana de 22” tem como proposta resgatar uma visão de democratização artística de modo ampliado, buscando deglutir o movimento antropofágico dentro de uma narrativa contemporânea que alcance as camadas não-participativas do evento. O projeto se propõe a abrir um diálogo junto à comunidade, abordando as diversas óticas sociopolíticas não elucidadas, bem como buscando preencher as lacunas críticas que o movimento talvez não tenha sido capaz de suprir na época.
Edson Cardoso, um dos curadores, afirma que “o projeto visa enaltecer a releitura das obras da Semana de 22 como uma forma de prestar uma homenagem aos artistas mais relevantes daquela época. Além de artistas visuais, escritores e poetas de grande notoriedade como Manuel Bandeira e Oswald de Andrade também marcaram a Semana de 22. Todos eles serão lembrados e reverenciados através de reproduções expostas nos espaços”.
“’Ecos do Moderno ao Contemporâneo’ lança o seu ponto de vista. Entremos pela porta aberta, (re) visitemos a linha temporal passada, um lugar territorial tão nosso que nos enraíza para além do agora. Falar de modernismo brasileiro é de algum modo abrir espaço para circulação de ideias livres, como um ato de propulsão ao novo, sendo assim, esta exposição alusiva a semana de 22 comemora a quebra diante dos paradigmas conservadores, e revisita por meio da linguagem e releituras de trabalhos consagrados a historiografia artística do Brasil”, diz Cota Azevedo, que também assina a curadoria.
Releituras de 22 e predominância de artistas mulheres
Foram poucas as mulheres presentes na Semana de 22, que no campo das Artes Visuais se restringiu aos nomes de Anitta Malfatti, Tarsila do Amaral e Zina Aita. Em “Ecos do Moderno ao Contemporâneo”, a presença feminina está representada em quase todas as obras, sublinhando a importância e força feminina em quase todos os trabalhos expostos na mostra. Na sua maioria, são releituras que homenageiam os grandes artistas de 100 anos atrás.
Renata Costa ressignifica o cartaz original da Semana de 22, pintado por Di Cavalcanti. O trabalho ganha mais raízes e folhas, demonstrando a frutificação da Semana de 22 e a relevância da tópica da historiografia brasileira.
Anete Mendonça pinta sobre folha artesanal de fibra de bananeira sua versão da obra “Tropical”, de Anita Malfatti, traduzindo a força da mulher brasileira.
O “Abaporu” de Ara Celis substitui o colorido de Tarsila do Amaral por tons quase grafite, reforçando o valor dos negros como tradução da riqueza cultural do país
Cota Azevedo se inspirou no quadro “Os Operários”, de Tarsila, produzindo uma série de retratos com características diversas representando a miscigenação do país, trazendo personagens como o Caboclo (nordestino). São pinturas vívidas, próprias de trabalhos de estilos fauvista e expressionista, mas buscando a regionalidade da arte popular. A série é denominada Personagens de Todos os Santos – aludindo à Bahia de Todos os Santos e ao “sincretismo da Cultura”.
Considerada um marco da afirmação da pintura antropofágica de Tarsila do Amaral, “A Lua” foi interpretada nos traços da artista Carmemcita.
Talita Talarico apresenta uma obra em madeira com resina e acrílica, inspirada em temas orientais, remetendo às inúmeras etnias que povoam o Brasil.
Artistas participantes:
Alzira Chaloub, Andréia Gomes, Ana Maria Guimarães, Anete Mendonça, Ara Celis, Carmemcita, Carol Couri, Cecile Mendonça, Cota Azevedo, Duda Oliveira, Edilton Gomes, Favoretto, Heloisa Prado, Luciana Palhamos, Renata Costa, Rosa de Jesus, Sandra Becker, Talita Talarico, Tito Flávio.
Exposição individual:
Cota Azevedo – “O avesso e a Lenda dos Dias”
O projeto, segundo Cota Azevedo
Correspondências para os 100 anos da Semana de Arte Moderna de 22
Às sombras da pauliceia de Mário de Andrade germinaria um grande jatobá. Pela estética de Anita Malfatti ganharíamos um símbolo de luta. Com Tarsila do Amaral um cânone para quem louvar. Por Oswald de Andrade, um progresso futurístico “a se dizer” ao Brasil. Aos, por, e entres, os nomes de: Graça Aranha, Victor Brecheret, Plínio Salgado, Guilherme de Almeida, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, e dentre muitos outros, se construíram personagens históricos para se nomear o movimento da Semana de Arte Moderna – ocorridos entre 13 e 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, SP. Período este que se instaura um dos cânones brasileiros e estabelece como modelo de emancipação da arte moderna nacional. Quando se propõe uma exposição coletiva há um trajeto a buscar: uma democratização. Um olhar voltado para um diálogo que vai além das vertentes autocentradas. (E por isso, quem avisa amigo é, já diria alguns). É preciso reconhecer o ontem para se construir novas pontes para o futuro. Mas, que este horizonte seja alargado, e possa se fixar para além de um viés de identidade elitista. E cá estamos, vislumbrando uma amplitude artística, buscando deglutir o movimento antropofágico dentro de uma narrativa contemporânea que alcance as camadas não-participativas do evento. (A proferir). Pode-se citar alguns levantamentos críticos: o “lugar”’ da mulher dentro da historicidade da Semana de 22, o papel simbólico dos personagens periféricos-sociais abordados, os vínculos estéticos e de gêneros impregnados pela cultura internacional, o regional para além do eixo sulista; e etc.
Mas, não sejamos tão antagônicos. O rompimento com o conservadorismo vigente no cenário cultural da época foi uma das principais contribuições da semana de 22 para a arte brasileira. Entre os artistas não havia um conceito em comum, muito menos um programa estético consoante. O ato era um catalisador dos eventos efervescentes culturais que traria o outro novo. E assim o fizeram.
A abordagem da exposição “Ecos do Moderno ao Contemporâneo” pretende ressaltar a relevância de 22 enquanto vanguarda, e concomitantemente dialogar junto à comunidade sobre as diversas óticas sociopolíticas não elucidadas e com as lacunas críticas que o movimento não foi capaz de suprir. Deste modo, a seleção de trabalhos artísticos também tentou contemplar os ‘embaraços’ do movimento, e levou em conta a análise da reverberação do padrão do ideário moderno artístico do passado na atualidade – e que possamos, em alguma instância, contribuir com o levante de uma abordagem memorialística múltipla e aberta para todas as camadas sociais. Talvez, o desejo seja de mais movimentos e outras tropicalidades. Talvez.
Cota Azevedo, curadoria, jornalista crítica e artista multidisciplinar
Serviço:
“Ecos do Moderno ao Contemporâneo – 100 Anos da Semana de 22” – mostra no eixo Rio-São Paulo-Distrito Federal homenageia os 100 Anos da Semana de 22.
Curadoria: Edson Cardoso, Cota Azevedo e Anete Mendonça
Artistas participantes:
Alzira Chaloub, Andréia Gomes, Ana Maria Guimarães, Anete Mendonça, Ara Celis, Carmemcita, Carol Couri, Cecile Mendonça, Cota Azevedo, Duda Oliveira, Edilton Gomes, Favoretto, Heloisa Prado, Luciana Palhamos, Renata Costa, Rosa de Jesus, Sandra Becker, Talita Talarico, Tito Flávio.
Exposição individual: Cota Azevedo – “O avesso e a Lenda dos Dias”
Centro Cultural Correios do Rio
Abertura: dia 24/02, às 18h
Visitação: de 25/02 a 10/04/2022
Horário: de terça a sábado, das 12h às 19h
Endereço: Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro, Rio de Janeiro – RJ
Entrada franca