Meu primeiro emprego, quando eu tinha 16 anos, foi como cuidador de um casal de velhinhos num bairro próximo à minha casa. Às 8 em ponto, toquei a campainha e uma mulher magérrima, usando óculos de tartaruga me recebeu sorridente.
– Fique à vontade, meu rapaz. Papai e mamãe estão no andar de cima e acabaram de acordar. Vou dar uma saidinha, mas volto antes do meio-dia.
Entrei no quarto o mais silencioso que pude e cada um dos velhinhos estava em sua respectiva cama. Puxei uma cadeira de veludo que jazia perto da janela e me posicionei entre ambos.
– Olá, muito bom dia! Eu sou Eduardo e…
O velhinho sem me cumprimentar nem nada, interrompeu dizendo:
– Meu caro jovem, você poderia dizer para a senhora aí do seu lado que eu detesto salada de alface e ela deveria saber disso depois de 40 anos de casada?
Percebi então que eles não estavam se falando e eu seria um pombo-correio improvisado, levando mensagens de um lado para o outro. Então me dirigi à velhinha:
– O seu marido disse que não gosta de salada de alface e que a senhora deveria saber disso depois de…
Antes de completar a frase, ela retrucou:
– Pois diga a este velho teimoso que é preciso obedecer às ordens da nutricionista, porque a Celina gastou uma fortuna com a consulta e…
– Meu jovem, – pediu o senhorzinho, encurvando–se e puxando meu casaco pela manga – avise minha esposa que quem pagou a consulta no final das contas fui eu, porque a Celina pegou toda a minha poupança e…
De repente a velhinha se virou raivosa para o velhinho e ambos começaram a se xingar e eu sinceramente não sabia o que fazer para acalmar os ânimos. E assim do nada, como robôs programados para matar, eles se entreolharam, pararam de discutir, vieram em minha direção e começaram a me agredir fisicamente.
Primeiro foi o seu Alberto que acertou um pontapé no meu joelho direito que doeu um bocado. Depois foi a dona Ana que me desferiu um tapa nervoso na cabeça, fazendo meu boné voar a uns dois quilômetros de distância.
Assustado (velhinhos não são seres graciosos e inofensivos?), saí correndo daquele hospício, desci as escadas e abri a porta que inacreditavelmente estava aberta. Continuei correndo por quarteirões inteiros, até me sentir exausto e ser acometido por uma terrível crise de asma (sempre que fico nervoso tenho este troço).
Parei numa farmácia e meio sem fôlego, pedi à atendente uma bombinha para asma. Abri a embalagem às apalpadelas, rasguei o invólucro e, ao invés das duas doses habituais, devo ter dado umas 7 ou 8 inalações. Assim que o remédio entrou nos meus brônquios, senti uma espécie de vertigem, os ouvidos zuniram, os olhos lacrimejaram.
Nossaaaaaaa, fiquei chapadão! Olhei minha bombinha na palma da mão e ela estava pegando fogo. Então, joguei-a com toda a força para o meio da rua. O céu estava todinho roxo e eu podia ouvir o canto agradável de cem mil passarinhos ao meu redor.
Não sei como cheguei em casa, mas o fato é que meu golden retriever PIX estava saltitando e balançando o rabo, vindo em minha direção. Dei um abraço super apertado no PIX (quase estrangulei o coitado) e sei lá por que, desde aquele dia, deduzi que trabalhar e frequentar hospícios são quase a mesma coisa.