Morador de São Gonçalo, Phellipe Patrizi é apaixonado pelas escolas de samba desde os 12 anos de idade, quando se encantou com o desfile da Acadêmicos do Grande Rio no carnaval de 2006, cujo enredo se intitulava “Amazonas, o eldorado é aqui”. Tornou-se integrante fiel da agremiação em 2014, quando desfilou pela primeira vez.
Depois de oito anos, finalmente soltou o grito de campeão do carnaval carioca, junto com a agremiação caxiense.
Phellipe conversou com o Jornal DR1 e nos contou um pouco de sua história e sua trajetória.
Jornal DR1: Como foi sua entrada no mundo do carnaval?
Pellipe Patrizi: Durante a minha infância, eu não compreendia ao certo do que se tratava o carnaval, principalmente o das escolas de samba. Certa vez, em alguma data próxima ao carnaval de 2006, ouvi na rádio que a Acadêmicos do Grande Rio teria como enredo o estado do Amazonas. De acordo com a sinopse do enredo, a proposta da agremiação era promover uma verdadeira aula em plena Avenida pela defesa da Amazônia contra as ações de invasores e atos de desmatamentos sofridos pela floresta. Este tema era grande relevância para mim, devido ao meu interesse pela disciplina escolar de Ciências, na época o meu desejo profissional girava em torno da área de Ciências da Natureza, bem diferente dos caminhos que trilhei. Embora não fosse um hábito familiar assistir aos desfiles, tentei ver para justamente compreender como a escola faria a carnavalização daquele assunto. Desde o momento em que vi o desfile da Grande Rio pela primeira vez, uma emoção bateu forte em meu peito como se eu encontrasse finalmente aquilo que tanto procurava por anos. Ver pela televisão uma temática, estudada nas aulas de Ciências, passar pela Avenida, traduzidas em versos e poesia, coberta de plumas e paetês, conjugada por uma liberdade corporal me despertaram para uma identificação espontânea e rápida com aquele conjunto alegórico.
Um dos setores centrais nessa caminhada pela “avenida da vida” foi o encantamento pela História, ocorrido durante o 8° ano do Ensino Fundamental II, no decorrer dos últimos meses do ano de 2007. Solicitado pela professora de História, elaborei um seminário para ser avaliado nessa disciplina sobre a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil. Após essa atividade, encontrei nos sambas de enredo, um caminho para me dedicar à leitura e aos estudos da temática abordada naquele trabalho escolar. Em uma data próxima ao carnaval de 2008 (ocorrido no dia 5 de fevereiro), ao ouvir pela rádio os sambas de enredos das escolas de samba cariocas, a letra do samba da G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense, encantou-me especialmente. O enredo intitulado João e Maria, desenvolvido pela carnavalesca Rosa Magalhães, celebrava a efeméride do bicentenário da chegada da Corte Portuguesa ao Brasil (1808-2008), justamente o conteúdo escolar do trabalho que eu fiquei encarregado de pesquisar. O interesse e as curiosidades mobilizadas pelo enredo da escola de samba, bem como sua articulação com o seminário apresentado na escola, ainda naquele ano de escolaridade, foram decisivos para a opção, que faria mais tarde pelo curso de História.
O primeiro desfile pela escola, no entanto, só aconteceu em 2014, quando a escola homenageou o município fluminense de Maricá. Na época eu já era maior de idade e já freqüentava a quadra de ensaio sozinho, o que facilitou a minha primeira apresentação com a escola.
Jornal DR1: De que forma você enxerga os enredos “educativos” como foi o da Grande Rio em 2022?
Pellipe Patrizi: Percebê-lo, enquanto professor-pesquisador-carnavalesco, que os enredos das escolas de samba são expressão de uma História Pública, bem como instrumentos de luta e consciência política, sobretudo, quando se fazem presentes nas práticas pedagógicas nos cotidianos escolares. A minha formação no samba contribuiu para conhecerem, primeiramente pela Avenida, heróis e heroínas negros/as ausentes das páginas dos livros de História, me estimulou a escutar as vozes historicamente silenciadas, a se interessar por debater o porquê os/as negras são vistos/as apenas como reis/rainhas do samba e do futebol e, principalmente, a nunca esquecer as consequências do sistema escravista que ceifou vidas e vigorou oficialmente no Brasil até 1888. Cada alegoria de navio negreiro que passa pelo Sambódromo carioca é um grito contra a discriminação, é uma lembrança dos horrores que aconteceu, é a esperança de um novo amanhã com menos opressão, racismo e desigualdade social. Por isso, levar para uma grande audiência a mensagem de que Exu não é diabo é o mais puro sentido de História Pública, entendendo que o desfile pode nos fazer refletir sobre a demonização das religiões de matriz africana e desmitificar esse orixá tão mal visto e oculto de nossa história. Os festejos carnavalescos evidenciam as angústias, questionamentos e projetos de país que nos cercam. É o público dizendo o pensam, o que espera e o deseja, é o canto popular da história de um Brasil negro, pobre, LGBTQUIA+ que não será jamais esquecido e calado outra vez.
Jornal DR1: Houve uma profusão de enredos falando da negritude e Orixás, no Grupo Especial e na Série Ouro. Como você enxerga esse movimento das escolas?
Phellipe Patrizi: As escolas de samba nada mais são do que reflexo da sociedade, o que pensam, o que as incomoda, suas lutas, dores e traumas. Cantar a negritude na Sapucaí é acompanhar os debates públicos atuais após os assassinatos de Marielle Franco, George Floyd, João Pedro, Miguel e tantas outras personalidades negras que tiveram suas vidas ceifadas pelo racismo que rege a nossa nação. As agremiações são espelhos dos pensamentos contemporâneos, configuram como lócus de saber, resistência e sociabilidade para diversos grupos empobrecidos da nossa sociedade brasileira. Cantar para não esquecer o que passou, dançar para mostrar que ainda estão de pé e vivos, após toda opressão e batucar para evocar e saudar os que já não estão mais entre nós.
Jornal DR1: Você desfila há 8 anos na escola, qual foi a maior emoção até hoje?
Phellipe Patrizi: A minha maior emoção nesses 8 anos desfilando pela Grande Rio, seguramente, posso afirmar que foi o carnaval de 2022. Não somente por ter sido campeão pela primeira vez, mas por ter percebido que não faltava nada para realizarmos um desfile inesquecível. Finalmente, possuíamos um dos melhores sambas do carnaval, um enredo que falava de um personagem emblemático da história da Cidade, a Estamira, éramos mais aceitos pelo grande público, que desde o nosso vice-campeonato de 2020, passaram a nos olhar com mais carinho e respeito. Não nos faltava nada. Detínhamos todos os pré-requisitos para o campeonato inédito e foi o que aconteceu.
Jornal DR1: Foram 4 vice campeonatos, e 14 vezes no desfile das campeãs, como é finalmente soltar o grito de campeão do carnaval?
Phelippe Patrizi: A sensação é de que não é real e de que, a qualquer momento, irão me acordar dizendo que a Grande Rio perdeu para ela mesma mais um ano. Foram tantos anos sofrendo com enredos que não possuíam quaisquer vínculos de identificação com a comunidade, fantasias entregues no dia do desfiles, sambas com gosto duvidosos e erros de evolução na Avenida, que parecia ser impossível a Grande Rio conseguir agitar as arquibancadas e ser melhor de as demais 11 escolas do Grupo Especial. Gritar é campeã depois de dois anos de espera é bom demais. A vitória veio após de um longo histórico de derrotas, chacotas e severas críticas. Penso que sair vitorioso dessa disputa é coroar a mensagem que depois da tempestade vem a bonança. Acreditem que, em meio ao caos, mesmo após tantos problemas, o dia vai chegar. Tem um trecho do samba-enredo de 2007 que diz “Eu me chamo Grande Rio e qualquer dia eu chego lá”. Esse “lá” é o agora, ele finalmente chegou.
Jornal DR1: A Grande Rio é tido por muitos adeptos de outras agremiações como uma escola de artista e antipática, como é essa visão dentro da comunidade?
Pellipe Patrizi: A escola, de fato, ostenta a fama de ser a preferida dos artistas, mas reduzi-la a este rótulo é chega a ser um tanto simplório. Embora que, em certos momentos, o brilho dos componentes da comunidade parecia ter sido ofuscado pelos holofotes dados as celebridades, a Grande Rio resistiu às ofensivas e mostrava a cada ano quem realmente eram os artistas da escola. Muitos julgam a agremiação pelos clicks que repercutem em revistas e na internet com as fotos dos famosos, mas poucos, dos que atrelaram esta fama a escola, já pisaram em Duque de Caxias para acompanhar um ensaio da escola, se contentam com a cobertura superficial dada pelos grandes veículos de imprensa ao carnaval da Grande Rio. A comunidade entendia, em certa medida, a presença das figuras públicas no desfile poderia ser revertida na entrada de verbas de patrocinadores, a partir do marketing espontâneo gerado em torno delas. Se nos anos 90, a escola não conseguia almejar as primeiras colocações da tabela por não conseguir por na Avenida um desfile competitivo, a aposta na visibilidade das celebridades fez com que a agremiação angariasse fundos para tentar disputar pelo título. É a partir de um enredo patrocinado O nosso Brasil que vale (2003), que a Grande Rio voltou pela primeira vez nos Desfiles das Campeãs, com o um honroso terceiro lugar. Conquista a estruturação que desejava, faltava agora uma proposta cultural mais fundamentava e os grandes sambas apresentados por ela na década 1990. Somente após o rebaixamento no carnaval de 2018, que não aconteceu devido à virada de mesa, que a escola passou a olhar mais para dentro e encontrar a própria história a receita para vencer o carnaval.
Jornal DR1: Muita gente critica o carnaval, achando que é só uma festa, não enxerga o trabalho das comunidades e a geração de empregos, sobre esse ponto, o que nós que não estamos nas comunidades não enxergamos?
Pellipe Patrizi: Costumam reduzir a imagem do carnaval e todo o seu entendimento, aos atos de festejar, o que por si só já é válido, legítimo e muito mais complexo do que imaginam, mas também se esquecem de que as agremiações geram milhares de empregos diretos e indiretos, educam por meio de seus enredos e sambas, desenvolvem projetos sociais, prestam assistência aos membros da comunidade, fazem doações de alimentos, formam profissionais dos esportes, por meio das vilas olímpicas, bem como, realizam oficinas de dança, percussão, bailado de mestre-sala e porta-bandeira, entre outras. Há uma gama de pessoas que aprenderam os passos iniciais de suas carreiras dentro nas quadras das escolas de samba. Para além de cultura, carnaval é educação, é ancestralidade, coletividade, geração de emprego e renda, profissionalização, rede de sociabilidade, memória coletiva e um complexo de artes em apenas um espetáculo, na verdade, o maior espetáculo a céu aberto do mundo.
Jornal DR1: Além da Grande Rio, você é integrante de alguma outra agremiação?
Pellipe Patrizi: Sim, desfilo há quatro na Lins Imperial e este ano estreei na Império da Tijuca, ambas integrantes da Série Ouro do carnaval carioca. A Lins é a segunda escola por quem meu coração bate mais forte, espero continuar desfilando por ela por mais alguns anos. Desde quando iniciei na a escola, em 2018, ela tem homenageados grandes personalidades negras e espaços de cultura afro-brasileira, tais como: o bar ZiCartola, o cantor e compositor Bezerra da Silva, a passista Pinah e em 2022, o músico e humorista Mussum. Já o Império da Tijuca que fascina por carregar em seu nome o termo educativa e por esta proposta versar as suas práticas comunitárias e escolha dos enredos, como por exemplo, o deste ano em referência ao Grêmio Recreativa Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, cujo um dos fundadores foi o cantor e compositor Candeia.