Tempos extraordinários pedem novos olhares. O Grupo Corpo volta à cena no diapasão da renovação e da delicadeza com primavera, coreografia inédita de Rodrigo Pederneiras sobre música da dupla Palavra Cantada, com 14 de suas canções adaptadas para uma trilha instrumental. É tempo, assim, de recomeçar, com a ideia da estação das semeaduras, em que um novo ciclo se apresenta. A temporada no Rio de Janeiro acontecerá entre 15 e 19 de junho, no Teatro Multiplan – VillageMall. O Grupo Corpo tem patrocínio premium do Instituto Cultural Vale e patrocínio master da ArcelorMittal, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
“Estávamos presos nas nossas casas”, conta Rodrigo Pederneiras, “sem poder ensaiar, reunir o grupo, programar um espetáculo, projetar uma temporada, com os bailarinos fazendo aulas remotas”. Havia, claro, o horizonte das lives pelas plataformas digitais; e, nos últimos 18 meses, o grupo veio liberando gravações de balés e fazendo diversos eventos nas plataformas digitais, para o público. Nesse viés, em dezembro de 2020, começou a nascer a ideia de criar peças curtas, montar novas coreografias para a internet. E foi bem nesse ponto que uma conversa casual pelo whatsapp alinhou, num tedioso domingo à noite, o coreógrafo mineiro e o compositor Paulo Tatit, conhecidos de longa data.
“Foram quatro horas de mensagens pra cá e pra lá”, lembra, rindo, Tatit. “E surgiu a ideia de selecionarmos e adaptarmos os playbacks da Palavra Cantada. Enviamos, Sandra e eu, dezenas de playbacks dos nossos 27 anos de carreira. Rodrigo selecionou 14 deles e começamos a trabalhar”, diz o compositor.
O conjunto foi se ajustando, se complementando, ganhando uma feição, traduzida em módulos que fluíam. Florescendo, por assim dizer; e deixando de remeter ao universo infantil. Saíram as vozes, as melodias praticamente desapareceram, entraram novos instrumentos. O projeto que nascera em forma de peças curtas e independentes para a internet ganhou unidade – foi virando um conjunto. Emergiu uma continuidade. “Prelúdios, de 1985, parte de uma ideia assim: são peças soltas unidas pela coreografia”, complementa Rodrigo. Dessa vez, o romântico Chopin deu lugar ao sofisticado som do trabalho de Tatit e Peres para as crianças. “Eu diria que são divertissements”, avança o diretor artístico Paulo Pederneiras, referindo-se ao gênero que define pequenas peças de música ou dança abordado por grandes criadores. De novo, a necessária leveza em tempos tão difíceis.
Com as adaptações, a remixagem e alguns acréscimos, a trilha emergiu – e seu conjunto encadeia uma gama de estilos musicais às vezes bem contrastantes, indo de um jazz light à percussão afro, em seus 36 minutos de duração. “Construímos um balé completamente diferente, singular, com a música de alta qualidade da Palavra Cantada”, define Rodrigo. “Diferente também porque é, como uma Primavera, uma antecipação de dias melhores. Conjuramos assim um futuro mais ameno e, por que não?, mais feliz”.
TRÊS PAS-DE-DEUX E DISTANCIAMENTO
Assim, nascido na pandemia, o balé incorpora – e, de certo modo, abraça – as interdições do momento. “Há somente três pas-de-deux”, comenta Rodrigo Pederneiras. “Só se tocam os bailarinos que são casais, vivem juntos” – Agatha e Lucas, Mariana e Elias, Karen e Rafael. “O restante do espetáculo se desenvolve em duos, trios, quartetos e todos mantêm distância entre si; há somente uma cena com oito bailarinos”.
Apesar do distanciamento físico entre os bailarinos, curiosamente a sensação de proximidade é forte – e os destaques individuais, mais constantes. “Em primavera, temos a chance de ver cada elemento da companhia de maneira mais focada, mais íntima”, ressalta Rodrigo