Ele perambulava e dormia pelas ruas de São Paulo, como milhares de outras pessoas o fazem. Entretanto, chamava a atenção de todos pelo carisma inigualável, a impressão que dava é que conhecia um grande segredo inteiramente vedado a outros mortais. Além disso, seus olhos eram profundos e tristes, mas quando se iluminavam, irradiavam estranha luz que, ao se refletir em outras faces humanas, transformava-as de imediato em algo delicado, singelo, humanizado.
Naquela noite, ele tinha acabado de tomar banho no posto de gasolina que gentilmente o acolhia nos finais de semana, quando de repente, um senhor elegantíssimo de ares refinados, aproximou-se sob as lâmpadas amarelas da garagem.
– Vim aqui conversar com você para cumprir uma velha promessa. Não me pergunte pelo meu nome porque isto não interessa, nem como o escolhi em meio a tantos desabrigados. O importante é que me ouça com atenção: Trago neste malinha dez mil reais e quero que você aceite este dinheiro! Ele é inteiramente legal e não haverá problemas com a polícia em hipótese alguma. Use-o como bem entender, faça bom proveito dele para sua regeneração, mas há um detalhe importante a ser observado: reserve mil reais e se dirija ao santuário de Santa Terezinha do Menino Jesus que fica a quarenta quilômetros daqui e deposite a quantia aos pés da irmãzinha. Você conhece o local?
Ele fitou o homem desconhecido com a surpresa que a oferta ensejava e anuiu com a cabeça, dizendo:
– Sim, eu conheço o santuário. Fui visitá-lo quando era criança com meus pais e não terei dificuldades em achá-lo. Dou minha palavra que mil reais serão levados à santa.
Ambos se despediram como se fossem velhos amigos e o morador das ruas ficou horas a fio olhando a mala acinzentada e gasta. Quem seria esse homem misterioso? O que ele realmente queria? Quais seriam suas verdadeiras intenções? Mas nada disso importava de fato, a realidade é que com dez mil reais nas mãos, a vida de humilhações e privações teria, se não um final definitivo, mas ao menos uma bem-vinda interrupção.
A primeira coisa que fez no dia seguinte foi cortar o cabelo e aparar a barba grisalha. Depois vieram as roupas novas compradas na lojinha contígua ao posto de gasolina e que muito assustaram a mocinha vendedora. Ao meio-dia entrou num restaurante chique localizado no centro da cidade e pediu lasanha e vinho. Bebeu três garrafas e ficou embriagado, mas desta feita com bebida boa, de qualidade. Repetiu a ida ao mesmo restaurante nas duas semanas seguintes. E agora precisava desesperadamente sentir as carícias sensuais de uma mulher. Procurou e achou com facilidade garotas de programa. Foi ter com elas inúmeras vezes em motéis caros e luxuosos.
Em dois meses, os dez mil reais estavam quase acabando, mas o antigo morador das ruas jurava para si mesmo que cumpriria a promessa e levaria os mil reais até o santuário. Quando estava finalmente prestes a partir, encontrou o amigo Alexandre dos tempos da faculdade que o reconheceu de pronto. Comeram juntos e se embriagaram nababescamente por três dias. Depois disso, olhou a malinha de esguelha como se olha para um bebê recém-nascido e ficou arrasado. Tinha gasto todo o dinheiro e só havia sobrado uma mísera nota de cem reais, mas mesmo assim, frustrado e arrependido, resolveu partir em viagem.
No meio do caminho, havia uma romaria de peregrinos mal ajambrados. Juntou-se àquela gente sem pedir licença nem cerimônia. Na maior parte do tempo, ficavam todos em silêncio, mas do nada, em meio à obstinação por chegar o mais rapidamente possível, as pessoas entoavam músicas de louvor e glória a Deus. E andavam e andavam resoluta e alegremente.
Era um êxtase estar ali em comunhão, sentindo no fundo do coração a mistura emocionada de vozes e lágrimas. Quantos desgraçados como ele, pecadores, marginalizados, fracos, viciados, suicidas tinham esperança e coragem para levar os olhos esfaimados diante da piedade divina?
Então, depois de muitos dias, o santo bêbado se separou do grupo, entrou na igreja e tirou a nota surrada de cem reais para depositá-la solenemente à mercê de Terezinha. Não eram os mil reais prometidos, mas de alguma maneira sentiu-se orgulhoso por ter cumprido a promessa feita ao desconhecido aristocrata.
De volta a São Paulo, agora inteiramente sozinho, não conseguia deixar de pensar nos sofridos companheiros cantando sob a noite eterna: “eis me aqui, Senhor, para fazer Tua vontade, para viver do Teu amor”.