Naquele dia chuvoso, naquele… Ariadne voltou, estava fugindo de mim… ou ao menos assim parecia. Disse:
– Crátilo… Por que você sempre fala a mesma coisa?… como não se cansa?
Permanecia calado, dando de ombros como quem pergunta ‘falar o que? Eu nada disse…’.
Ela continua ‘se fosse de outro jeito talvez eu entendesse… mas dessa forma você só se prejudica e eu não sou obrigada a viver perto de quem se prejudica. É melhor você ver isso logo, Pardal, porque pode dar ruim pra você. Sabe que o Adalberto é advogado e pode ficar ruim pra você’.
Continuou ainda mais, quando ela me chamava de ‘Pardal’… sempre tentei encontrar algo de simpático nisso, mas…
Eu me lembrava do passado… de como ela poderia me ameaçar. Certamente, chegou a pensar ‘ele está nas minhas mãos’, por diversas vezes. ‘Sempre escapa, mas sempre está nas minhas mãos’. Não era por maldade, antes por sobrevivência. Era uma tática. Nós estávamos em guerra. Talvez.
Jamais serei normal, adequado, passivo diante do que estou certo ser o mal, o mal a mim, o ataque territorialista, egoísta, eternamente autorreferenciado, direcionado à desestabilização do meu equilíbrio, buscando-e-ou-sentindo fraquezas que me mostram vulnerável; não tanto um alvo fácil, entretanto uma oportunidade de bater sem ser atacado de volta, com muita força.
Acontece que sempre perdoava, ainda inconsciente de que há certos perdões que não são passíveis de existir, cuja autoria só poderia ser de algum Deus, da Natureza ou de qualquer outra instância que o valha… mas, não de um ser humano. Há coisas que nenhum ser humano poderia, de verdade, perdoar. É como se perdoar uma específica sorte de coisas, para além de um ato nobre de virtude honorável, fosse além da própria humanidade de cada um.
Não havia mais tempo pra nada. Tudo existia demais. E toda essa coisa pedia atenção. O silêncio não era uma escolha, porque responder e viver eram como que o único direito que se tinha, além da morte.
Hoje, mesmo sem saber dela, onde quer que ela esteja, ainda não sei dizer se a perdoei ou não. O que há numa palavra sempre remeterá para além dela… tão além quanto o espírito que a pensa assim desejar. Palavras são como jaulas para os significados que surgem de nossas sensibilidades… aparentemente, jaulas… essencialmente formas, imagens e sons que nada, além de si mesmos, limitam.