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Ars Gratia Artis: Parte III – “Revertere ad locum tuum”?

A febre tomava-me de assalto, meus olhos piscavam incessantemente oferecendo-me a visão turva de um homem que se aproximava, falando palavras indistinguíveis, portando uma grande mangueira, cujas águas, torrencialmente como uma chuva horizontal super concentrada, atingia àqueles que até então serviam para mim de esconderijo.

Com uma voz altissonante, ao perceber algo que se mexia entre os quietos, ele dirigiu-se a mim com um sorriso malicioso, um escárnio que foi compartilhado com um certo desinteresse por seus companheiros, que deveriam estar muito ocupados em suas operações, pois não paravam, iam de um lado a outro, consegui contar uns vinte homens em meio àquelas pilhas de gente, então, puxando o meu braço e levantando-me do chão num ímpeto oficialmente furioso e, para meu espanto, seu sorriso mesmo que estampado numa feição fria e distante, paradoxalmente cordial, tornou-me:

– Quer dizer que você está vivo?! – disse-me num tom imperscrutável.

Balbuciei coisas sem sentido, ele deu de ombros e me empurrou para os cuidados de um outro sujeito, de olhar vago, só agora havia notado que todos, sem distinção, usavam camisas cobertas por um colete preto, calças jeans e pareciam portar armas; alguns de óculos escuros.

O único lugar que não possuía uma parede de corpos, foi este para o qual o meu encarregado havia dito para que eu seguisse.  Vacilante, atordoado, dominado por um torpor dilacerante segui em direção às muitas grades e arames que via à frente, somente havia aquela saída no meu holocausto, eram tantos os ferros retorcidos e cúspides brônzeas que não conseguia ver o que havia adiante.

Depois de alguns poucos passos cambaleantes e aleatórios naquela direção, fui atingido por um jato d’água tão forte, vindo do lado oposto, que me elevou do chão, uma terra escura batida e molhada, atirando-me em cima de um outro monte de mortos.  Desesperado, ouvindo gargalhadas que por muito pouco não me provocaram inconsciência, fui lutando contra aquela corrente, escalando os corpos como escadas, acreditando que a dor em muito pouco tempo arrebataria-me num desmaio do qual jamais eu quereria despertar.

Consegui chegar, por obra de milagre, com um esforço hercúleo, à próxima porta que me oferecia o destino que, como aqueles homens, ria da minha figura esquálida por meio de facécias, gravando no meu rosto, para sempre, a impressão cinza e vermelha do apocalipse.

Na entrada do caminho tortuoso, onde havia mais um deles, com um colete, aonde pude ler nas costas o emblema amarelo “Polícia Civil”, fui encaminhado por veredas metálicas sinuosas, recebendo, ao final de alguns passos, um vigoroso empurrão.

Deitado num piso úmido, de cimento, fui abrindo os olhos vagarosamente, eivados pela letargia, e vi que estava debaixo de uma trave de madeira pintada de branco.  Com um pouco mais de tempo notei que aquilo era um pequeno campo de futebol, cercado de muros marrons altíssimos.

A porta atrás de mim foi fechada num rangido e alguém, cujo rosto minha imaginação não conseguiu captar, dirigiu-se a mim e disse:

– Conte-me!  Vamos, não seja estúpido, seu estado está atrapalhando a nós todos. Precisamos recontinuar o jogo!

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