Depois que aquelas fotos vazaram na internet, a vida dela transformou-se inteiramente. A sensação primeira foi de humilhação. Como encarar as pessoas olhos nos olhos, depois da universalização do material erótico e escandaloso?
Depois sobreveio o desespero cru e absoluto. Como ela pôde ser ingênua a ponto de confiar num destes musculosos bonitões, barbudos, ratos de academia? E tudo por um breve momento de cegueira, de arrebatamento nascido do desejo sexual que, afinal de contas, toda mulher saudável possui de maneira oceânica.
Mas, a verdade é que não havia modos de driblar o acontecimento e de todo jeito seria mais digno assumir o erro e pagar pelas consequências, por mais malsãs que se oferecessem. Claro que os amigos estavam presentes nesta hora de provação psicológica, entretanto, parece mesmo que estamos destinados a viver nossas dores mais insuportáveis no desterro da solidão. Com efeito, era doloroso demais falar sobre as fotos e a traição do Marcelo e o melhor a fazer era enfrentar o problema da culpa, como fazem os elefantes velhinhos que se afastam da manada para morrer em paz.
Ela caminhou cerca de meia hora até a rua vicinal perto da fazenda da família, amarrou o cadarço do tênis bem forte, certificou-se de que havia pego água suficiente para a jornada e se embrenhou pela longa estrada de terra esbatida. Os passos eram vagarosos, a cabeça ia a mil e o choro inevitável. Aos 19 anos de idade, todos erramos, mas era impossível perdoar-se pelo sofrimento causado no seio da família e, principalmente, no absurdo perpetrado contra o namorado sempre apaixonado.
Como então não se lembrar das palavras raivosas da professora de sociologia? “A sociedade machista e misógina condena as mulheres à inaptidão da ação racional, quer dizer, o patriarcado circunscreve o desejo sexual feminino à clandestinidade e à ilegalidade moral. E mais ainda, o poderio masculino inventa crendices religiosas para estigmatizar quem ousar contrapor-se ao seu ideário opressor”.
Entretanto, quanto mais a estrada ia ficando terrosa e misteriosa, mais as palavras da professora pareciam banais e capciosas. Cansada, avistou uma pequena casa no lado direito do caminho, abriu a cerca de madeira e penetrou na sala de estar pela porta da frente. Voltou a chorar desta vez aos soluços e sentou-se no chão cinzento, cruzando as mãos sobre os joelhos recobertos pelos jeans desgastados.
Um vento fortíssimo soprou de todos os recantos do mundo, fazendo o cabelo dela desaprumar-se e uma luz intensa emergiu das trevas, transmudando o ambiente. Uma linda senhora de olhos castanhos, vestindo um manto azul escuro, aproximou-se devagarzinho e sentou ao seu lado, abraçando-a como se ela fosse um recém-nascido desprotegido.
O calor daquele corpo era indescritível e a sensação na alma foi de acalanto e cumplicidade. A mulher mergulhada em brilho não disse uma palavra sequer, nem precisava. O encontro entre as duas durou apenas alguns minutos, ou seriam horas ou, quem sabe, a eternidade? Quando se virou para ver a casinha à beira da estrada pela última vez, notou que a construção estava toda florida, cingida por rosas vermelhas e brancas.
Muito tempo se passou desde que Nossa Senhora das Flores apareceu à jovem de 19 anos e, mesmo nos invernos mais rigorosos, a casinha simples continuou inexplicavelmente cercada por flores exuberantes. Ao cabo de uma década, quando reencontrou a antiga professora feminista, a jovem já plenamente restabelecida, abraçou-a fortemente como se acarinha alguém que nunca encontrou verdadeiro amor em toda a vida.