Num de nossos sábados de manhã, entramos numa feirinha do bairro, onde há muitas barracas com roupas, principalmente. O aspecto de labirinto, conferido pelos muitos corredores que os boxes construíam, atraiu particularmente a curiosidade de Tomás, do alto de seus 5 anos. Nisto, no gostar de labirintos, mais uma semelhança entre nós…
Num canto, separado daqueles comércios, entretanto, pudemos ver uma gaiola bastante grande, com mais de dez periquitinhos, lindos. Fomos nos aproximando; faziam muito barulho, estavam alvoroçados. Voavam de um lado para o outro, de cima para baixo e para os lados. Pareciam nervosos.
Tomás parou diante da gaiola. Começou a balbuciar uma espécie de ‘dialeto’ com uns grasnadinhos, uns erres, que depois me disse ser a língua das araras. E a conversa era direcionada aos periquitos.
Acontece que todos os bichos, antes agitadíssimos, pararam. Não só pararam, como se viraram para ele, como que atraídos por aqueles sons engraçados que tanto pareciam linguagem. De alguma forma eram. Linguagem de criança-passarinho.
Uma das vendedoras acompanhava, um tanto maravilhada, a situação. Bem como eu, obviamente, não obstante a coexistência pacífica em meus pensamentos acerca daquele fato : algo semelhante ao que fizeram Francisco de Assis e Buda ele parecia estar fazendo, porque num dado momento ele começou a ‘dizer’ aos bichinhos que papai do céu era bom e que eles deveriam ser bonzinhos e não precisariam ficar tristes por estarem presos naquela gaiola. Numa outra abordagem, não excludente, pensei que simplesmente o som agradara aos periquitinhos e que ele estava apenas se divertindo, típico de sua idade. De fato creio nas duas coisas como coexistindo; acho que todos nós e nossos filhos podemos e participamos, sabendo ou não, de milagres. Porque eles são simples, poéticos; não os vivemos porque não conseguimos enxergá-los, talvez não nos julguemos dignos.
Quando a conversa acabou e ele disse ‘adeus’ em ‘passarês’ (ele me disse que tinha falado ‘adeus’ na língua das araras e que os periquitos entendiam) a senhora que o observava se dirigiu a nós e disse ao Tomás:
– Como vai, meu lindo? Um excelente dia pra você, você que é o homem do futuro! Que o Amor de Deus seja sempre com você!
Seguimos o nosso caminho, naturalmente contentes, como se nada de especial tivesse ocorrido. Porque não ocorreu mesmo nada de especial. Estarmos vivos é o milagre. Nossa vida é o milagre. Quando sentimos isso, esse milagre desperta em nossas palavras um belo dom de voar.