Era um maciço casarão, quase quadrado, rodeado de ruínas, e cuja torre principal, que ainda conservava ò relógio, dominava todo o bairro.
Fenimore Cooper
Doze mágicos dançavam em roda sob o sino principal de SaintJean. Um atrás do outro invocou a tempestade, e desde o fundo do meu leito contei com terror doze vozes que atravessavam as trevas.
Imediatamente a lua correu a esconder-se detrás das nuvens, e uma chuva misturada com relâmpagos e rajadas de vento fustigou minha janela enquanto que os cataventos grasnavam como gralhas na floresta, aguentando a chuvarada.
Saltou a prima do meu alaúde, pendurado no tabique; o pintassilgo sacudiu as asas, em sua gaiola; algum espírito curioso voltou uma página do Roman-de-la-Rose que dormia na minha escrivaninha.
De repente estourou o raio no alto de Sant-Jean. Os feiticeiros, mortalmente feridos, caíram desmaiados, e de longe vi seus livros de magias arderem como uma tocha no negro campanário. O espantoso resplendor tingia com as chamas vermelhas do purgatório e do inferno os muros da igreja gótica e prolongava sobre as casas vizinhas a sombra da estatura gigantesca de Saint-Jean.
Os cataventos se enferrujaram; a lua atravessou as nuvens cinza-pérola; a chuva apenas gotejava do beiral do telhado, e a brisa, abrindo minha janela mal fechada, lançou sobre o meu travesseiro as flores de um jardim sacudido pela tormenta.
Extraído do ‘Livro dos Sonhos’, de Jorge Luis Borges