Entrevista na íntegra feita com a escritora e jornalista Silvana Gontijo – autora de ‘Turma do Planeta’ – exibida na edição digital do Jornal DR1 nº 214:
Jornal DR1: Quando começou a escrever?
Silvana Gontijo: Comecei a escrever quando eu tinha aproximadamente 19, 20 anos e estava na faculdade de desenho industrial e vi que tinha uma outra forma de expressão que eu gostaria muito, que era o texto, a literatura. Sempre fui uma leitora voraz e muito incentivada desde pequena pela minha família. Eu comecei a escrever pequenos poemas, a escrever cartas que eu guardava para pessoas que eu não mandava, que era uma comunicação que eu fazia como se fosse um diário, um registro.
Depois eu vim para o Rio de Janeiro, para trabalhar numa agência de publicidade como assistente de direção de arte, mas ali mesmo eu descobri que o meu caminho era muito mais para a literatura do que para a arte. Eu nasci em um ateliê de artes plásticas: minha mãe era artista plástica, minha avó era artista plástica, minhas tias eram artistas plásticas, todas as mulheres da família eram artistas plásticos, então foi normal e natural que eu enveredasse para essa área.
Mas ao mesmo tempo tinha essa pulsão aí, essa necessidade do uso da palavra. E foi então que nessa agência de publicidade onde eu fui trabalhar, a JMM Publicidade, eu comecei a corrigir os textos de anúncio, depois comecei a ajudar o pessoal das relações públicas a escrever pequenas notas para divulgar as campanhas. E foi então que eu vi que o texto jornalístico tinha tudo a ver comigo, essa narrativa mais coloquial, menos elaboradíssima, era uma coisa muito fácil para mim. Eu fazia isso com muita desenvoltura, naturalmente e aí eu mudei para o jornalismo. Fui estudar jornalismo na PUC. e comecei a escrever imediatamente para ajudar a divulgar uma galeria de arte de amigos meus aqui do Rio.
Daí, para o jornalismo oficial foi muito rápido. Eu fui contratada pelo Jornal do Brasil, que era o sonho de consumo de qualquer estudante de jornalismo na época. E comecei a escrever e a escrever muito, diariamente. Essa prática do jornalismo é uma prática muito, muito boa, porque te obriga a produzir uma quantidade de texto muito grande. E foi com alguns grandes mestres, como o Zuenir Ventura e tantos outros, que eu pude, então, enveredar por essa área de texto e a escrever de forma autoral mais à frente.
Jornal DR1: Você já começou escrevendo para o público infanto-juvenil? Por que escreve para este público?
Silvana Gontijo: Não, eu comecei escrevendo para adultos. Comecei escrevendo sobre comunicação e comecei a pesquisar muito as questões da comunicação, porque eu fui chefe do Departamento Educacional do Jornal do Brasil e fui mandada para a França para aprender o que os meios de comunicação estavam fazendo pela educação, se entendendo como produtores de impacto na cognição, nos hábitos de consumo e na leitura das crianças.
E lá eu aprendi que a gente tinha um caminho muito importante a percorrer, que era trazer para dentro da escola as mídias, os meios de comunicação. Então, tinha uma visão dos conglomerados europeus de responsabilidade deles em relação ao impacto nas crianças e jovens. E dali surgiu. Naquela época o CLEMI, que é o Centro de Ligação entre o Ensino e os Meios de Comunicação na França e a nossa instituição, a Planet .com, faz parte deste que a fundamos.
Enfim, dali eu trouxe para o Brasil, para a minha volta, a ideia de trabalhar os meios de comunicação em sala de aula. Isso foi em 1982 ou 3, e foi uma coisa que me fez muito pesquisar muito sobre a história da comunicação, sobre os impactos das mídias nos indivíduos e nas sociedades e logo em seguida eu comecei a escrever sobre isso, ia pesquisar isso e ia propor essa discussão em diferentes instâncias. Claro que eu não estava pronta para falar e as pessoas não estavam prontas para ouvir, então eu não conseguia trabalhar com as academias, com as universidades, porque as áreas de comunicação e educação não se falavam, e foi aí depois que a gente fundou o Planeta.com, mas antes disso eu comecei a trabalhar muito com audiovisual, alternando essa questão de desenho e texto, trabalhando como diretora de arte e também como roteirista.
Aí trabalhei em publicidade, televisão, enfim, e ao mesmo tempo, sempre escrevendo. Foi aí que me chamaram para escrever, a editora Nova Fronteira, um primeiro livro que foi sobre a história da moda no Brasil, porque eu fazia muito figurino também e pesquisava muito essa questão e não tinha uma obra de referência brasileira. Eu escrevi o primeiro livro, que foi “80 anos de moda no Brasil”, com uma visão da moda como expressão e como comunicação também, com um contexto sempre histórico voltado para as questões políticas e culturais, então a moda também como um espelho e reflexo dessas questões.
Depois me chamaram para escrever, acho que foi “A Voz do Povo”, que foi exatamente dentro desse mesmo contexto. A agência de publicidade do Lula Vieira, que atendia o IBOPE, precisava de um livro que contasse a história da opinião pública brasileira. E eles adoraram esse livro da moda e a forma da narrativa dele, pedindo para ser uma coisa parecida com aquele, com aquela forma de contar a história. Então, eu escrevi A Voz do Povo, estudando a construção da opinião pública brasileira desde o século XIX até 1980. E, nessa pesquisa e nesse livro, eu abordava essa questão da opinião pública brasileira a partir da política e da cultura.
Jornal DR1: Fale um pouco sobre o programa “Esse rio é meu”.
Silvana Gontijo: O programa ‘Esse Rio é Meu’ começa nesse meio tempo, entre o que eu falei aqui de escrever para a criança e o Esse Ria é Meu, a gente fundou o planeta .com. O planeta .com é o OSCIP, cuja missão é desenvolver soluções inovadoras para a educação pública brasileira. E a gente vem fazendo isso há algum tempo, as crianças tinham como meta produzir uma inovação, uma inovação metodológica, uma modificação que qualificasse a educação pública brasileira, mas que também pudesse ser escalada e transformar -se em política pública.
Então as escolas nave foram isso e finalmente o Esse Rio é Meu, que já é um projeto bem mais recente, ele começa com as experiências que nós fizemos em algumas escolas sobre educação pública, por meio de causas. Tudo isso responde a uma pergunta de uma criança pra mim que foi: “pra que que eu vou aprender isso se eu nunca vou usar?”
A ideia de que o conteúdo curricular não tem a ver com a realidade da criança. Então, a criança que expressou isso me fez pensar muito, porque o que a gente tinha que fazer era transformar a experiência escolar, a experiência pedagógica numa experiência significativa que tivesse a ver com a realidade, com o entorno dessa criança e desse jovem. E a gente começou a pensar numa forma de engajar o currículo e engajar essas crianças e jovens ao currículo, a experiência pedagógica através do seu protagonismo numa causa que transformasse seu território.
A gente testou de algumas maneiras e finalmente a gente fez uma pesquisa com nossa revista (Revista .com) com 3 mil professores, perguntando pra eles quais eram as causas que mais motivavam e inspiravam seus alunos e a resposta disso foi 85 % a questão ambiental. Dessa porcentagem, 72 % desse total foram responder o que era na questão ambiental e a causa era água. Foi aí que a gente não começou a pensar em como trabalhar um território a partir da água e nos propusemos a fazer um piloto toda toda inovação que o Planeta.com desenvolve a gente estabelece e define um piloto para para testar a ideia.
Jornal DR1: Como surgiu a ideia da Turma do Planeta?
Silvana Gontijo: O primeiro rio que a gente resolveu fazer essa tentativa, esse piloto, foi um rio emblemático, o Rio Carioca, o rio da fundação da cidade do Rio de Janeiro. Um rio pequeno e, portanto, mais fácil de ser trabalhado, municipal, que nasce e deságua, no mesmo município, e um rio que dá nome ao Gentílico. Os cariocas são chamados cariocas por causa desse rio, e que ele foi completamente esquecido pela população do Rio de Janeiro. Todo mundo que eu perguntava onde é que era o Rio Carioca, ninguém sabia, ninguém conhecia mais desse rio. E aí, tanto quanto em outros lugares do mundo, a gente percebeu como todos nós viramos as costas para os nossos rios.
E lá fomos nós, mapeamos as escolas todas que, presentes nesta bacia do Rio Carioca, eram 40 escolas públicas e privadas, batemos na porta delas todas e dessas 40, 27 toparam trabalhar com a gente articulando por dois anos o currículo, a BNCC, aos problemas do Rio Carioca e mobilizando seus territórios para uma ação de recuperação e preservação do rio.
Foi um case de sucesso para a gente, muito impressionante. A gente teve, em um ano e seis meses, a parte visível do Rio foi limpa, o que era um lixão se transformou num rio, as crianças conseguiram mobilizar para captar o esgoto nessa parte visível e jogar na rede de esgoto e tirar de dentro do rio. E o que era um lixão se transformou numa paisagem bonita dentro da favela dos Guararapes e para cima dela. Depois a gente conseguiu qie as crianças fossem chamadas a pesquisar e a descobrir, redescobrir o seu rio, e elas que antes achavam que ele nem existia, descobriram que ele tinha grandes valores.
E a gente não chama de recurso hídrico, a gente chama de patrimônio hídrico, exatamente porque o recurso é uma coisa que se gasta e o patrimônio é uma coisa que se preserva, que se cuida. Então o Rio Carioca passou a ser investigado por essas 27 escolas e essas crianças levantaram questões muito relevantes, descobriram que além dele ser o Rio da fundação da cidade, que abastecia a cidade durante os séculos 17, 18 e 19.
Ele era responsável por grandes monumentos na cidade do Rio de Janeiro, como os arcos da Lapa, que foram construídos para transpor as águas do rio lá da Floresta de Tijuca, para o Largo da Carioca, que hoje são todas construídas em toda a cidade. De seus chafarizes e, acima de tudo, a preservação e replantio da floresta da Tijuca, que tinha sido devastada pelas fazendas de café e que na grande estiagem de 1860, Dom Pedro desapropriou essas fazendas e mandou replantar a floresta inteira para preservar as nascentes do Rio e Carioca.
Então um rio que não existia era, na verdade, um grande patrimônio histórico, cultural, ambiental, e essas crianças começaram a ficar muito motivadas a preservá -lo. O resultado das inúmeras pesquisas, porque o que aparece também é que o rio, aparece quem escreveu sobre o rio, quem pintou o rio, quem retratou o rio, quem filmou e quem cantou o rio, todas as expressões da cultura inspiradas no Rio e Carioca, justificaram o seu tombamento. Além dos monumentos, obviamente, que estão na sua bacia, justificaram o seu tombamento e a gente conseguiu tombar pela primeira vez um rio urbano brasileiro, que foi o rio Carioca.
Jornal DR1: Quais as inspirações para a Turma do Planeta e quais suas inspirações na escrita?
Silvana Gontijo: A Turma do Planeta surge da minha convivência com crianças. Sempre fui uma pessoa que gostei muito de criança, tive muitos sobrinhos, tenho filhos, tenho enteados e todos são muito presentes na minha vida. E a coisa que mais me chamou a atenção foi quando a gente começou a trabalhar com a mídia de educação nas escolas, a gente viu que a música era um grande elemento de comunicação. Fundamental, fundador também. E eu gosto muito de música, tenho um lado meu muito musical, tenho um bom ouvido, toquei piano, fiz canto lírico, enfim. Gostava muito dessa questão da música. E juntar as pessoas a partir da música é uma coisa quase que uma conquista de uma integração.
É como se como construir uma orquestra onde todos estão juntos a partir da música para realizar um objetivo comum né que é tocar lindamente. Assim eu construí e comecei a olhar para essas crianças, eu tenho personagens inspirados em filho, enteado, sobrinho, em crianças da vizinhança, filhos de amigos,enfim, e comecei a pensar também nessa questão da inclusão de crianças com deficiência.
Assim eu tenho uma grande amiga que teve uma filha com síndrome de down, eu pensei incluir um personagem que tenha down que foi ao Gui. Aí tem a Bia, que é uma personagem muito parecida comigo na infância, sempre foi muito miope e quase não enxergava ela também, portanto a gente desenvolve um ouvido muito mais sensível. E a questão de Libras, que o Leopoldo, o nosso tamanduá, que tem cinco dedos , ele é o nosso agente de Libras, já que não fala, ele se expressa com o corpo.
Mas o mais interessante é que a proposta de uma convivência harmônica entre os diferentes, isso já estava na gênese da Turma do Planeta, a ideia de que a diferença é uma riqueza nas relações. Ao contrário do que muitos xenófobos, muitas pessoas que discriminam, racistas, enfim, são pessoas que entendem o diferente como algo a ser negado. A Turma do Planeta vem exatamente com uma proposta oposto de tudo isso. E eles estudam numa escola municipal, que é o meu sonho de escola, que se chama Em Paz, a escola municipal planeta de A a Z. E nessa escola eles trabalham com muita educação, com tudo o que eu aspiro. Para que as crianças brasileiras tenham a sua experiência escolar. É uma escola que estimula muito as atividades artísticas, as experiências com a natureza, enfim. Então, acho que é isso que foi a gênese da Turma do Planeta, observando toda essa minha experiência com educação e todas as crianças do meu entorno.
Jornal DR1: Possui projetos futuros para outros livros? Pretende trabalhar com este mesmo segmento?
Silvana Gontijo: Possui e já fui escrevendo. Eu agora quero que a Turma do Planeta viaje pelos biomas brasileiros e viva aventuras em outros lugares. Em Itabira, por exemplo, eu já criei um personagem novo para Turma, que é a Flora, uma lobinha guará dançarina. Eu fiquei encantada com os lobos-guarás e lá é um animal bem típico do bioma.
E em cada lugar em que a gente entra com o programa Esse Rio é Meu, a minha intenção é criar um personagem local que tenha isso. também criar ferramentas para que as crianças reescrevam as histórias das aventuras da Turma do Planeta a partir da sua própria realidade, incluindo seus rios, seus biomas, enfim, Acho que essa é uma questão. Mas, além disso, fazer a Turma viajar pelos outros biomas brasileiros, estou pesquisando muito a Amazônia, Pantanal e Cerrado, agora para colocar a Turma viajando por esses biomas, interagindo com outros animais, faunas e flores locais.