Pedra famosa pelas rodas de samba, lugar também já foi uma comunidade quilombola
Amantes de um bom samba no Rio de Janeiro com certeza devem conhecer a Pedra do Sal, localizada na zona portuária da cidade e também parte de seu centro histórico. Mas acontece que a Pedra do Sal foi o local de residência secular de escravizados, ex-escravizados, negros libertos, negros livres e hoje, de seus descendentes. Além de respirar samba, respira história e resiliência negra.
Nem sempre o lugar foi uma pedra. Assim como outros pontos da cidade, o lugar foi aterrado após o século XVIII, onde era conhecido como Prainha e ficava próximo ao mar, sendo habitado por pescadores e salineiros. Além dos trapiches de sal, a paisagem era composta por construções imponentes, como o Palácio do Bispo, a Igreja de São Francisco, a Fortaleza da Conceição e a Cadeia de Aljube. Nesta cadeia, eram enviados os escravizados que cometessem crimes, bem como os quilombolas. Também havia algumas chácaras pontuando os morros próximos, o Morro da Conceição e o da Providência eram alguns destes.
Todavia, estes mesmos trapiches – depósitos de mercadorias próximos aos portos – eram um tanto quanto isolados do resto da cidade, devido a presença dos morros. Mas isso mudaria no século 18, quando o Marquês do Lavradio, Vice-Rei e Capitão Geral de Mar e Terra, escolheu a região do entorno da Pedra do Sal para o crescente comércio de africanos escravizados. Começava aí a triste história do lugar.
A intenção do Marquês era justamente manter parte à crueldade e a insalubridade da escravidão em uma região mais afastada, pois os moradores da cidade se queixavam do espetáculo de horrores que era a retirada dos corpos de escravizados mortos durante a viagem de África ao Rio. Reclamavam também das doenças trazidas pelos que restavam vivos. Entre as décadas de 1760 e 1830, o Valongo, ou Vale Longo (pois o nome designava não somente a rua, mas toda
a região da Pedra do Sal até a Gamboa) era praticamente um local de depósito e “venda de carne humana” vinda do continente africano.
Até a proibição do comércio de escravos – no século 19 – o horror que acontecia pelo Vale Longo foi relatado por viajantes estrangeiros e nas pinturas de Debret. Mesmo com esse passado terrível, como na região havia o Cemitério de Pretos Novos tinha a representação espiritual para a comunidade quilombola que ali se formava, pois os corpos de seus antepassados repousavam ali. Nas últimas décadas do século 19 e as primeiras do século 20, os afrodescendentes da região fizeram do local um espaço cultural negro. Batendo de frente com o preconceito e a segregação, os migrantes e recém libertos se organizavam para viver no Rio de Janeiro guardando a sua herança
afro-brasileira nas relações de trabalho, nas festas e na sua religião.
Da religião, pais e mães de santo ficaram famosos nesta região, como a Tia Ciata, pertencente ao terreiro de João Alabá. Essas autoridades religiosas tiveram que aprender a driblar a repressão imposta a manifestações da cultura negra, em especial o candomblé e a capoeira. Foi na Pedra do Sal que também surgiu a Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiche e Café, considerada a primeira organização sindical livre de trabalhadores do Brasil: é a origem do atual Sindicato dos Estivadores, pioneiro nas primeiras greves operárias do país e por reunir pessoas negras em seus quadros, especialmente na diretoria.
A importância da Pedra do Sal para a história de luta e resistência negra e do Rio de Janeiro é imensa. Na próxima vez que for lá para uma roda de samba, lembre-se da história poderosa que rodeia. E se nunca foi e busca um lugar onde respira tradição e samba, não deixe de conferir!