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Serra: A Revolta dos Beckman

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Os primeiros europeus a desembarcaram no território que hoje corresponde ao Estado do Maranhão foram os espanhóis. Passados 35 anos os portugueses tentaram, sem sucesso, retomar o território. Em 1612 um grupo de franceses fundaram a  colônia França Equinocial, uma tentativa por parte do governo francês de se estabelecer na região, gerando um combate, entre portugueses,  que  durou até 1615. Um período marcado por várias tréguas e que se estenderam até 1621, quando os portugueses retomaram em definitivo o território e a Coroa instituiu o Estado do Maranhão e Grão Pará, objetivando melhorar a defesa da costa e os contatos com a metrópole.

Uma vigilância que não evitou novas investidas estrangeiras. Desta vez, em 1641, os holandeses desembarcaram na região e ocuparam a ilha de São Luís, onde permaneceram por mais ou menos três anos até serem banidos.

O Maranhão que dependia muito da extração das drogas do sertão, da produção de algodão, do cacau e de uma pequena produção de açúcar viu sua economia bastante comprometida, após a expulsão dos holandeses. Faltava mercadorias e como a economia local não era tão lucrativa a ponto de não poder arcar com os altos custos para se adquirir escravos africanos, tornando comuns as excursões pelo interior da mata, a fim de capturar indígenas e revendê-los como escravos. A região era bastante dependente de mão de obra escrava.

Na segunda metade do século XVII uma forte tensão se instalou entre colonos e os Jesuítas da Companhia de Jesus a respeito da mão de obra indígena. Os jesuítas tentaram exercer o controle sobre os nativos, tornando, desta forma, os colonos dependentes dos escravos africanos enviados pela coroa para suprir suas necessidades. Questão que se agravou, consideravelmente, com decreto polêmico de 1680 que proibia a escravização indígena e que abalou a relação entre a Coroa, jesuítas e colonos.

O Maranhão era uma colônia que carecia de todo tipo de mercadorias, sofria  com problemas de abastecimento e com a reduzida circulação de moeda. Diante desta carência de suprimentos foi que no ano de 1682 foi fundada a Companhia de Comércio do Maranhão em caráter de exclusivo comércio, destinava-se a fomentar a agro manufatura de açúcar e a cultura de algodão por meio de fornecimento de crédito e de escravos africanos aos produtores da região, assegurando o transporte dos gêneros para a Europa, em segurança, além da previsão de importação de dez mil escravos africanos num período de vinte anos.

    Entre os privilégios dos quais se beneficiava a Companhia além do monopólio do comércio (Estanco), destacava-se a isenção de impostos, um juízo privado, a via executiva para a cobrança de suas dívidas e a liberdade  de descer do sertão maranhense os indígenas que desejasse para tê-los a seu serviço.

    A Revolta dos Bekman (1684-1685) foi motivada pela insatisfação que se instalou entre os colonos de São Luís por conta da situação vigente. Eram várias as reclamações a respeito da atuação da Companhia do Comércio do Estado do Maranhão. A empresa era acusada de corrupção ao conceder privilégios, de fraudar os pesos  e entregar produtos em quantidade insuficiente  e de qualidade  questionável, de desvalorizar os gêneros que deveria adquirir e cobrando em excesso pelas mercadorias da metrópole, recusar-se de transportar produtos pouco lucrativos, transgredir a regularidade das frotas ocasionando na perda das mercadorias armazenadas que aguardavam o embarque. Além da não disponibilização dos escravos africanos conforme  acordado.

       Outro grande motivo da insatisfação que reinava na região ficava por conta da atuação dos jesuítas no concernente à exploração dos nativos para o trabalho escravo. Situação que ocasionou vários ataques e motins contra os jesuítas.

     Havia também, certa rivalidade dos colonos de São Luís com a cidade de Belém, pelo fato de que o então, governador da colônia Francisco de Sá de Menezes não era morador de São Luís e sim de Belém. O que despertava entre os colonos de São Luís a sensação de serem deixados de lado e a impressão de que o governador da província não se importava com os problemas locais.

Toda essa situação irritou os colonos de São Luís, principalmente aqueles cujas atividades econômicas eram bem estabelecidas.  Após alguns meses de preparação e se valendo da ausência do Governador que se encontrava em Belém do Pará, a Revolta dos Beckmans, como ficou conhecida, eclodiu na noite de 24 de fevereiro de 1684, durante as festividades de Nosso Senhor dos Passos. A liderança da revolta ficou a cargo dos irmãos Manuel e Tomás Beckman ( Senhores de Engenho), de Jorge Sampaio de Carvalho e com a adesão de outros proprietários e comerciantes, igualmente insatisfeitos com o governo.

        Homens armados renderam a guarda local, tomaram o controle da Casa de Estanco, onde a Companhia vendia suas mercadorias, em seguida tomaram o controle dos pontos mais importantes de São Luís e fizeram a prisão de alguns representantes do Rei de Portugal.

      No dia seguinte, a revolta estava consolidada e  organizada na Câmara Municipal dando inicio, assim, ao novo governo conhecido como Junta Geral de Governo, composta por seis membros,  sendo dois  representantes  de cada segmento social: latifundiários, clero e comércio, os quais tinham como principais deliberações a deposição do Capitão-Mor, a deposição do Governador, o fim do Estanco (monopólio sobre um produto de forma ilegal), a expulsão dos jesuítas da Companhia de Jesus e a extinção da Companhia de Comércio do Maranhão.

      A junta enviou emissários a Belém do Pará onde se encontrava o governador deposto objetivando obter adesão dos colonos locais a causa da rebelião. Houve uma contraproposta, por parte do governador para que os revoltosos depusessem suas armas em troca da abolição da Companhia, da anistia para todos os envolvidos  na revolta e ainda cargos e verbas. Proposta que foi imediatamente recusada pelos emissários da Junta. Do mesmo modo a Junta enviou Tomás Beckman à Corte em Lisboa como emissário, visando convencer as autoridades que o movimento era procedente e justo. Sem ter o sucesso esperado, Tomás recebeu voz de prisão e foi trazido preso de volta ao Maranhão.

       A Revolta teve duração de pouco mais de um ano, perdendo forças em 1685 quando a Metrópole Portuguesa enviou uma esquadra para retomar o domínio português na região e com ela veio Gomes Freire que foi designado para ser o novo governador da colônia.

      Gomes Freire restabeleceu as autoridades depostas, foi responsável pela condução das  punições dos revoltosos, ordenando a prisão e julgamento de todos os envolvidos no movimento, assim como o confisco de suas propriedades. Expediu ordem de prisão contra Manuel Bekcman que fugira. Foi oferecida a recompensa pela sua captura, o cargo de Capitão das Ordenanças. Lázaro afilhado e protegido de Manuel o traiu, entregou o padrinho e recebeu sua recompensa.

Apontados como líderes da revolta, Manuel Bekman e Jorge Sampaio foram sentenciados à morte pela forca. Outros revoltosos foram degredados e alguns punidos com açoite, em praça pública. Tomás Beckman que havia recebido voz de prisão, em Portugal, teve a pena de prisão perpétua. Manuel Beckman faz sua última declaração, em novembro de 1685 a caminho da forca, “morro feliz pelo povo do Maranhão”. Como os bens de Manuel haviam ido a hasta pública, Gomes Freire os arrematou e os devolveu à viúva e às filhas de Manuel Beckman.

Gomes Freire de Andrade, então governador do Maranhão, extinguiu no ano de 1685 a Companhia de Comércio do Maranhão e em 1688 revogou o decreto que proibia a escravização de indígenas.

Quando os portugueses conseguiram, enfim, consolidar o domínio na região, houve a separação do Maranhão e Grão-Pará (1772). Após esse período conturbado o Maranhão ficou bastante esquecido por quase dois séculos e, somente, a partir da segunda metade do Século XVIII e início do Século XIX, quando a cultura do algodão passou a ter relevância econômica  foi que a Província do Maranhão prosperou e a Capital São Luís passou a ser quarta cidade mais importante da colônia portuguesa, atrás apenas do Rio de janeiro, de Salvador e de Recife.