Jornal DR1

Economia Criativa do Carnaval: O Jogo do Bicho e a Escola de Samba III

A bisneta da Mãe de Santo, Hilária Batista de Almeida – Tia Ciata (1854-1924), Gracy Mary Moreira relata: “na Casa da Tia Ciata, se agregava no terreiro o samba e a religião. No quintal dela, tinham festas religiosas, encontro com os capoeiristas. O samba era marginalizado, a religião teve perseguição aqui no Rio de Janeiro, mas foi mais branda. Na Bahia, é que foi muito grande, estavam matando as pessoas, inclusive, uma Mãe de Santo, irmã da Tia Ciata, foi morta, quando estava vindo para o Rio com ela. Vinha com a missão de manter o samba e a religião de matriz africana.  Ela fazia da sua casa esse abrigo, esse terreiro, ou encontro de sambistas.  Mas também tem o seguinte:  muitas das vezes principalmente nas festas religiosas ela pedia permissão a polícia. Os batuqueiros também eram capoeiristas (os conflitos começavam), então, eles (as autoridades), tinham essa marginalização e preconceito a tudo, com relação a isso então, quando os sambistas começaram a tocar e a polícia batia na porta dela, ela já mudava o gênero musical, fazia gestos, e eles mudavam. O bloco dela (Tia Ciata), também era licenciado, ela procurava ser bem-organizada com relação a isso, tanto que o problema maior era o samba. Ela colocava samba, porque eles (a polícia) confundiam o samba dos sambistas com os batuqueiros, (ogãs) do Terreiro. Algumas vezes iam para o Choro, porque o Choro não era proibido”.

Com efeito, as Escolas de Samba representam o ápice de um conjunto de manifestações populares, seguramente, o maior e mais significativo do mundo; sua origem está diretamente relacionada com a capacidade intelectual, criativa, cultural do povo preto, infelizmente, empurrado para os morros da Cidade, sem água, sem luz, sem saneamento, sem a presença de governos ou apoio de qualquer espécie. Assim surgiram as Escolas de Samba, essas maravilhas sofisticadas, de imenso teor cultural, apresentadas no Carnaval. No entanto, os desfiles espetaculares das Escolas de Samba e do seu atual apogeu, não nasceram num piscar de olhos, muito menos tiveram apoio do Poder Público ou iniciativa privada como agora.

Elas, as atuais empoderadas Escolas de Samba, não estariam onde estão, sem a presença de investidores, que ousaram patrocinar os desfiles. Com efeito, esses visionários, pessoas de distintas origens sociais e culturais, envolveram-se diretamente com a população menos favorecida do segmento do Carnaval. Esses empresários não apenas investiram no Carnaval, mas também ensinaram aos fazedores do segmento, a lidar com o dinheiro, a prestação de contas e todo processo envolvendo o financeiro das belíssimas Escolas de Samba.

Os patronos do segmento do Carnaval, não surgiram por acaso: mais uma vez, nota-se muita inteligência, organização e entusiasmo dessas pessoas, para gerir um universo, do qual, o poder público não teve nenhuma participação no seu desenvolvimento inicial.

O Carnaval é uma importação cultural, os desfiles também não se originaram no Brasil. No entanto, foi o povo brasileiro, com sua força e amor, que modificou essa cultura adquirida, transformando-a em outra de enorme valor. A sociedade é dona de sua história, seja ela como for. Não muito aceitável no presente, mas fora muito bem-vinda no passado. Sem a presença dessa mistura étnica, social, cultural e de apoio financeiro, não teríamos o prazer de dizer que o Rio de Janeiro possui o maior espetáculo da Terra.

Agradeço a professora Lilia Gutman, ao meu querido amigo Léo Christiano, (infelizmente não está mais entre nós). Léo e eu apresentamos Projeto para o tombamento imaterial do Jogo do Bicho.

Confira também

Nosso canal

RADIO DR1 - PROGRAMA INSPIRA AÇÃO - 22 NOV 24