Com maior seca registrada desde 1951, a devastação recorde expõe a combinação perigosa de fatores climáticos e humanos, afirma especialista
Os incêndios no Pantanal do Mato Grosso do Sul finalmente deram uma trégua após uma temporada crítica e atípica, em que o fogo persistiu por mais de 40 dias. Até a noite do último domingo (14), os brigadistas ainda trabalhavam no rescaldo das chamas na região de Maracangalha.
De acordo com dados do MapBiomas, entre janeiro e junho de 2024, 468 mil hectares foram devastados, configurando a maior área queimada no Pantanal no período de seis meses já registrada pelo Monitor do Fogo. Essa área equivale a duas vezes o tamanho de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, e 79% dessas queimadas ocorreram somente em junho.
A gravidade dos incêndios no Pantanal está intrinsecamente ligada a uma combinação de fatores ambientais e humanos. Segundo explica o professor Paulo Jubilut, biólogo pela UFSC e mestre em ciência e tecnologia ambiental, “os principais fatores ambientais que contribuem para os incêndios no Pantanal incluem a ação humana criminosa, a maior seca registrada desde 1951 e as mudanças no clima”.
As mudanças climáticas, segundo ele, têm tornado eventos extremos, como secas, mais frequentes e intensos, resultando na maior seca já registrada desde 1951 na região. “Isso contribui para o aumento das queimadas, pois a vegetação seca torna-se mais inflamável”, afirma Jubilut, que também é professor de biologia no Aprova Total, plataforma online que prepara estudantes para o Enem e outros vestibulares.
Conforme análise do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os incêndios no Pantanal têm sido provocados pela ação humana, principalmente devido ao desmatamento para formação de pastagem e áreas agricultáveis. “As queimadas são realizadas na tentativa de adubar e preparar o solo, mas acabam saindo de controle devido à seca e ao acúmulo de material combustível”, explica Jubilut.
A vegetação do Pantanal, que inclui plantas rasteiras, aquáticas, matas fechadas, ciliares e de galeria, possui um papel crucial na resistência aos incêndios. A interação entre fogo e cheias é fundamental para a sobrevivência das espécies nativas. Contudo, nos últimos anos, as queimadas têm se tornado uma preocupação maior para a preservação da biodiversidade, com proporções alarmantes.
Tecnologia para monitoramento e revitalização ambiental
Para enfrentar essa crise, estratégias eficazes de proteção e manejo sustentável são essenciais, bem como a implementação e fiscalização rigorosa de leis que regulam queimadas agrícolas e outras atividades propensas a causar incêndios. “O monitoramento e alerta precoce utilizando tecnologia de satélites para identificar focos de calor em estágio inicial é crucial”, enfatiza o biólogo.
No Brasil, já existem projetos que utilizam inteligência artificial para monitorar áreas de preservação. Um exemplo é o projeto “Mapeamento Agropecuário no Cerrado via Combinação de Imagens Multisensores” (MultiCER), desenvolvido por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em colaboração com universidades estaduais. O projeto emprega IA para mapear a intensificação agrícola no Cerrado, alcançando uma precisão de até 97%.
“No Brasil, é cada vez mais comum plantar diferentes culturas agrícolas na mesma área e no mesmo ano. Isso é importante porque permite aumentar a produção agrícola sem desmatar novas áreas nativas”, afirma o especialista.
Além disso, o reflorestamento de áreas degradadas com espécies nativas e a manutenção de áreas úmidas e florestas ripárias podem atuar como barreiras naturais contra incêndios, aumentando a retenção de umidade do solo.