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Ars Gratia Artis: Memória – no limiar do juízo final

Texto e atuação da poeta e ativista dos direitos humanos Mitzi Amado

Presente num espaço alternativo do Teatro Glauce Rocha, a Sala Murilo Miranda, o cenário pontuado por lembranças guardadas e reviradas é a cena antes do início do movimento em espiral para si mesma; Mitzi Amado, poeta das palavras que figuram numa tela, letras dançantes, enfrenta e é, ela mesma, o limiar… e, no espaço, entre os sentidos e criando-os, música… aqui, ressaltamos registro do sensível pelo som, na trilha sonora regida por Raphael Piquet. 

Dirigida por Delson Antunes, potencializa o texto que vibra em suas expressões e em seus diálogos com os fantasmas da memória e de suas ficções. Especialista em verter literatura para o teatro, Delson enriquece o texto ao incutir um interpretar que orienta a força da poesia e da expressividade de Mitzi.

Digno de nota, em consonância com a direção, é o trabalho primoroso de Paulo Trajano, na direção de movimento e de Aurélio de Simoni, na iluminação. Ela, em seus vaivéns de desesperança, insatisfação, vislumbres de soluções simples, tragédias e prazeres, vai, construindo geometrias de sombras e de luz… e tem os elementos de que precisa para se transformar, imprevisível, transgressora, libertadora, espontânea – o real da mistura que somos, para além de maniqueísmos – na miríade de tudo que é.

Mulher, pós-moderna, mãe, não-mãe, filha, gozo, doença, alegrias, o fim, o início, novos inícios… imagina-se que promova a fluidez de movimentos, gestos, de tudo, em cena, o enxergar a natureza desses caminhos, no palco, esses caminhos invisíveis que parecem fluxos para onde apontam os sentidos dos poemas, flutuantes… parte da cenografia elaborada pelo experiente José Dias. A mala, arrastada, para um lado, para o outro, tem o peso de tudo o que já foi… mas é apenas matéria de lembranças que, leve, diante da coragem, se fluidifica.

Cada memória é um palco. O fim de uma memória pode ser um ato; nele, outra vida desperta, a vida de uma “mulher real, não idealizada. Nem sacralizada, imaculada e nem objeto de consumo, mulher melancia. A mulher humana, que falha, deseja, sonha, se perde, se acha, se culpa e ama’, eis sua voz.

Após desenhar pela expressividade da letra sentida e lembrada, poesia criada novamente pelo corpo e pelo dizer e pelas sensibilidades de todas as interpretações, a atriz desenha a espiral final e, dirigindo-se à parte superior esquerda do palco, faz-se ponto. Ponto de mutação, ponto de início, convite para novas memórias, reflexões, esquecimentos e uma brava, bravíssima arte.

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