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Deleite Linguístico: Carta a Antonio Cicero

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2024.

Dileto Antonio,

A arte imita a vida, já dizia Aristóteles. Talvez por isso, ao saber de sua partida “à francesa”, eu, uma leitora de suas obras, senti demais… Compreendo, todavia, o que o motivou a deixar-nos. Mesmo que eu seja uma desconhecida para você, meu caro, tive o privilégio de vê-lo em eventos da Academia Brasileira de Letras. Faço, dentre muitos, parte de uma legião de órfãos de sua singular e elogiável produção cujos temas nos são caros. Confesso-lhe ser impossível  afirmar que “não vai haver tristeza” em não tê-lo mais entre nós! Ainda bem que é imortal! E que o amor de que tanto falou em seus poemas e canções não perecerá! É um ser muito amado por nós,  seus leitores, e pelos amigos, conquistados, em sua breve e intensa jornada neste mundo. A recíproca, que é verdadeira, consta de seu último texto, em que declarou esse nobre sentimento pelos companheiros! Que cuidado teve em a eles se reportar, afirmando “eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços “. Poderia ter ido tácito. Não o fez. E foi justamente a impossibilidade de prosseguir a escrita que o levou a adquirir o bilhete da última viagem… Quanta coragem! 

Seria torturante para você conviver sem memórias… sem a habilidade de tecer novas histórias! Sem conseguir identificar velhos rostos! Foi-se, inquestionavelmente, com dignidade! 

Na triste manhã do dia 23 de outubro, troquei mensagem sobre o ocorrido com um de seus grandes amigos, o querido Godofredo de Oliveira Neto, que estava devastado. Não foi o único a sentir dilacerado o peito com a inesperada notícia. Quem estaria preparado para perdê-lo, Cicero?

Compreendi seus motivos, meu genial escritor, afinal como você conviveria sem o controle de sua mente? Conforta-me o fato de que, se “os momentos felizes não estão escondidos nem no passado nem no futuro”, o melhor a fazer é ir ao encontro deles … em um outro “presente”! 

Escrevi esta carta; já que, apropriando- me de seus versos, não comungo de sua certeza quanto ao fato de que “não há, depois da morte, mais nada/ Eis o que torna esta vida/ sagrada/ ela é tudo, e o resto, nada”.

Independentemente disso, creio que, no paraíso, lugar sagrado onde sei que já está, tenha sido recebido com uma grande festa! Não tenha modéstia! Aceite de bom grado sua nova morada, pois é um ser especial, fenomenal! Nesse espaço, sua produção continuará e outros seres inspirarão! Há, portanto, o que celebrar! Sua mudança foi acertada! E precisa ser respeitada!

Termino esta carta com a certeza de que  “guardar uma coisa é olhá-la,/ fitá-la, mirá-la por admirá-la,/

isto é, iluminá-la/

ou ser por ela iluminado” (versos seus).  Não tenha dúvidas, Cicero, de que não só para mim, como para todos os seus seletos amigos você foi, é e sempre será a luz que nos ilumina. Sei que está em paz! Muitos beijos e abraços!

Fernanda Lessa. 

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