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A ciência da argumentação

Argumentar, antes de mais nada, é uma ciência. Isto significa dizer que para dominar amplamente esta fascinante capacidade cognitiva e emocional é necessário interiorizar uma plêiade de técnicas ou, se preferirem, uma ampla metodologia científica atinente à área.

Neste pequeno espaço sublinharei os aspectos fundamentais da ciência da argumentação.

1) Clareza quanto ao assunto a ser explanado. É primordial deixar este objetivo absolutamente claro antes do início de qualquer debate. Qual é a real intenção que interessa à minha inteligência e ocupa o meu espírito no exato momento da disputa? Suponhamos que o mote do debate seja as próximas eleições presidenciais. Deve-se preliminarmente dizer com todas as letras: os meus argumentos visam a demonstrar com provas e evidências racionais que o presidente do Brasil será um conservador, uma mulher ou um intelectual, por exemplo.

2) Eloquência com as palavras. Um grande contendor deverá necessariamente dominar amplamente a riqueza da língua portuguesa, não apenas em seu aspecto formal, mas, principalmente, no trato cotidiano que a linguagem popular tão maravilhosamente elabora e viceja. Por exemplo, reparem que o verbo “entregar” migrou do mundo virtual das mídias sociais para os comentários esportivos. Hoje é comum ouvirmos dos locutores mais conhecidos na TV: “o jogador X não entregou tudo que podia na partida de hoje!”.

3) Capacidade de criar metáforas. Aristóteles dizia que a imaginação humana faz parte de nossos sentidos internos e como corolário, inteligência e imaginação estão de maneira tão inextrincavelmente unidas, que é impossível saber quando começa uma e quando termina a outra. Por exemplo, com humor e perspicácia é possível lançar luzes sobre a violência no Brasil, criando a imagem de uma casa onde a autoridade paternal perdeu completamente seu poder dissuasório ou notar ainda que este extraordinário país é como uma árvore frondosa que infelizmente tem as raízes muito fracas e comprometidas.

4) Cultura geral. Frequentemente vemos cursos que prometem formar grandes debatedores, sem sequer mencionar o fato óbvio de que um orador pleno, ou seja, alguém capaz de mobilizar o intelecto e as emoções de milhares e milhares de seres humanos, para não dizer milhões, precisa necessariamente conhecer a fundo as grandes paixões humanas. Isto só pode acontecer se ele visitar as mentes mais brilhantes da nossa civilização, como Kafka, Platão e Dostoiévski. Evidentemente, há os charlatães de todas as espécies, principalmente os charlatães políticos, mas isto seria assunto para outro artigo.

5) A arte de saber silenciar. Paradoxalmente na ciência da argumentação, é nodal a capacidade de ficar em silêncio em momentos decisivos da interlocução. Não um silêncio absoluto, claro, mas aquele que desperta a aura de mistério tão característica de homens e mulheres carismáticos como Buda, por exemplo.

6) Deixei o tópico “sobre a verdade” para o final, por se tratar do mais importante. Em nossa cultura individualista e hedônica, as pessoas têm verdadeira compulsão por aplausos e fama. Ora, aqueles que dominam plenamente a ciência da argumentação sabem, desde o princípio, que no grande teatro do mundo não deve prevalecer as meras opiniões, ou doxa, como chamavam os Gregos. Nos grandes e autênticos debates deve-se procurar acima de tudo, a verdade e o bem comum. Curiosamente, as plateias através do planeta são as primeiras a reconhecer quando o orador fala com a alma, com a sinceridade e magnanimidade características dos que acreditam que, a despeito das atuais mazelas, podemos construir sociedades menos cruéis e injustas.

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