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A insustentável leveza do ser amado

Havia algo de misterioso no teu olhar ferino, algo que lembrava o aroma cítrico dos laranjais nas tardes de primavera.

Indescritível aquele jeito da jovem magrinha e introvertida que amava o silêncio da noite e os fantasmas intergalácticos que continuam a habitar o imaginário da criatura humana desde o paraíso perdido.
Entretanto você como boa geminiana, mal suportava a solidão e por isso se aninhava junto ao meu peito como uma criança se embrenha, feliz , debaixo das cobertas de lã nos dias de muito frio.
Mas o que eu gostava mesmo era ficar te observando de longe, entreolhando curioso os cômodos da pequena casa florida.

Tu colocavas as mesmas música de sempre no toca discos, especialmente aquela do Tim Maia chamada primavera e saias dançando descalça, rodopiando pela sala de estar. Jesus como era bonito apreciar a tua alegria morena, a beleza cândida da moça franzina sob a luz do sol vinda da janela.
E o meu amor por ti, nessas ocasiões,  chegava até a doer!
Ou então fitar- te pela manhã  séria e concentrada, escrevendo artigos científicos de psicologia sempre impecavelmente elaborados.

Mas minha cena predileta era ouvir aquela risada desconcertante e sincera que fazia teu rosto tremer e o corpo balançar inteiro como se fossem estes bonecos engraçados na frente dos postos de gasolina soltos pelo ar.
Lembras da madrugada do ano novo quando tu me pediste para escrever um conto que falasse singelamente de amor e sordidez?
E eu sem saber o que isto realmente significava, acabei inventando a história maluca de um gato gordo que ficou preso na tubulação do ar condicionado e teve o rabo preto incendiado por um curto circuito.
Lembra-te do conto? Lembra-te que o gato Clóvis começou a miar de um jeito estranho como se estivesse bêbado, grunhindo um chiado meio anasalado e que de uma hora para outra começou a falar alemão?
Recordas que no momento que contei a história, você riu tanto que precisou limpar o suor da testa e usar a velha bombinha para asma?
Hoje tão distante de teus encantos, percebo que sempre que as noites caem e a casa fica vazia , reaviva-me no coração teus olhos brilhantes e as promessas de amor que os dois jovens fizeram, ingenuamente, no auge da paixão.

Nunca, jamais nos separaríamos e nada poderia destruir o nosso encontro abençoado pelas energias  inapreensíveis do absoluto.
Mas não foi isto que aconteceu e aqui estou eu tantos anos depois Celeste, escrevendo novamente sobre o amor e a sordidez.

Mas agora sem a presença do teu corpo bailarino, eternizado para sempre nas casas floridas da memória.

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