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A Medusa e o prato de arroz

Tratava-se de um labirinto devassado, todo de pedra e musgos. Seus caminhos eram como os de uma alma torturada por culpas seculares; as razões de tais culpas? Paradas no tempo, movimentam-se no coração de duas mulheres.

Por que vieste? Nada tens a fazer aqui, nada a vos oferecer. Ao menos sabe que estás no covil de uma gorgós, que até aos deuses afugenta? – disse, num tom áspero e amigável, a bela quimera, por entre as colunas de um triste mármore.

Conheces as forças sobre as quais blasfema? Ousas falar contra o Tempo? Não te paralisas? – é então que se revela, mulher, serpente. Bela e monstruosa, a cauda em riste, mira a flecha no centro do peito de Ariadne… continua:

Dás a vida, mas tudo morre. Nada a fazer diante do que já ocorreu, não podes voltar no tempo e corrigir, está feito.  Tamanhas são as incertezas que emprenham tua alma que nenhum movimento mais se justifica. Tua doença é incurável. Tua perspectiva, mais limitada do que a de uma de minhas filhas – aponta para as muitas serpentes, ao redor, nela, em tudo.

Não vais me convencer, não antes de provar do prato que agora lhe ofereço, já que ainda és carne. – aponta para um grande alguidar, deitado num altar; nele, arroz branco, sulcado por lacraias negras, inquietas. 

As duas mulheres, inesperadamente, vocalizam:

A vida, reino das dualidades (…) terreno de confronto das forças opostas… é uma guerra perpétua onde nenhum resultado é definitivo (…) A própria lei da vida quer que cada organismo sobreviva ao preço da destruição de outros (…) aquilo que denominamos a vida é o império do rei da morte. A imortalidade procurada não é (…) a continuação desta vida, mas seu oposto. Pois toda a vida só existe como alimento para a morte, “diante de quem sacerdócio e nobreza não passam ambos de um prato de arroz”. ‘ (1)

A ‘Impetuosa’ sorri, num gesto de sororidade e cumprimento.

A oferenda à tua frente representa o indesejável no caminho, diante do qual os homens costumam desistir, alegando que cumprem apenas o que algum ‘deus’ lhes manda ou o que diz sua soberana vontade; estagnam seus espíritos, antes de enxergarem o que, de fato, pensam observar; tornam-se ainda mais móveis como os vês aqui: estátuas.  Erram, igualmente, os que simplesmente ‘comem’. 

Ariadne observa a ‘Impetuosa’ metamorfosear-se em ônix… unem-se…as rachaduras surgidas liberam aromas maravilhosos, inebriantes,  inexistentes na Terra… o labirinto se desfaz, as estátuas evaporam, o musgo incandesce, todo o Oceano estremece.

 

(1) ‘O Yoga’ de Tara Michael

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