Eu sabia que ao abrir aquela porta descobriria o segredo da minha vida, por isso bati levemente, esperando que ela se descerrasse. Nada aconteceu por um longo tempo e bati novamente, desta vez com mais força e de novo o silêncio cósmico imperou. Desesperei-me, pois tinha certeza de que aquela seria minha última chance de dar sentido à existência errática de meus dias e bati com violência na porta gigantesca feita de madeira parruda e envelhecida.
Decepcionado, virei as costas para ir embora, quando num átimo de tempo, ouvi atrás de mim um pequeno barulho parecido com o ranger de dentes de um exilado moribundo. A porta se entreabriu levemente na medida certa para que meu corpo franzino pudesse ultrapassá-la e caminhasse em direção à verdade do ser.
Imaginei-me num ritual meticuloso e antiquíssimo e penetrei no recinto saturado por estranha luz esverdeada, parecida com os fogos de artifício que a gente avista na virada do ano. Meus passos eram vagarosos e cuidadosos e eu me movimentava com delicadeza, porque mal conseguia enxergar o chão sob meus pés e muito menos os objetos que porventura estivessem na sala.
Em meio à penumbra verde e sem cheiro, divisei a escada feita aparentemente do mesmo material que a porta da entrada e comecei a subir os degraus pequenos e espiralados, como se fossem um caracol cujas partes se reproduzissem ao infinito. Subi o primeiro lance e olhei cansado e curioso para cima. Parecia que os corrimões de fato continuavam até o zênite dos céus, quando meu olhar perderia a capacidade de reconhecer quaisquer entes possíveis. Não desisti e continuei alerta e conformado a subida sôfrega. “Até quando?”, perguntavam minhas pernas e coração fatigados.
De repente, um solavanco me fez vacilar como se tivesse caído de um mezanino alto e me estatelei pateticamente no chão. A fumaça inodora ainda impregnava o ambiente e então, me aprumei e recompus, olhando ao derredor, quando uma estranha criatura cingida por feixes de luzes parecidas com raios laser surgiu diante de minha estupefação. O anjo cibernético parecia um titã grego meio humano, meio divindade e no centro de seu corpanzil havia algo parecido com uma tela de televisão.
Limpei os olhos para ver melhor e lá estava sendo exibida a trajetória de minha vida. Eram recortes, pedaços dos momentos mais importantes que abrangiam desde o nascimento na maternidade até a chegada do homem maduro diante da porta misteriosa. As imagens me emocionaram como nunca havia acontecido antes, mas em meio ao espanto e à angústia, uma voz tronitruante como um trovão brandindo poderoso começou a ensinar:
– Preste atenção, meu filho, no que vai aprender agora e transmita esta mensagem a todas as pessoas que possam compreendê-la. Não há um gesto, um acontecimento sequer na vida humana que não tenha sido concebido por mim. Todas as coisas aparentemente separadas fazem parte do todo absoluto urdido com esmero, um plano preestabelecido desde que o espírito toca a matéria até o momento derradeiro, onde a alma se eleva volátil, para retornar ao lugar sagrado de origem. O que vocês chamam vaidosamente de livre arbítrio é, na verdade, a execução da minha vontade escondida na consciência e na potência de cada existente vivo. Tudo é mistério na pulsação da vida sobre a terra e você deve alegrar-se toda vez que pressentir, com um arrepio de maravilhamento, a minha presença nas águas dos mares e nas florestas coruscantes e ígneas, no grito de sofrimento dos enfermos e nas demais redenções e milagres palmilhados no decorrer dos tempos.
Daí, com fabuloso estrondo a imensa porta orvalhada fechou-se para sempre e na minha frente muito ao longe, pude ler com a vista ainda aturdida uma placa com os dizeres crepitando na noite: “Vendem-se fogos de artifício para celebrar o ano novo que começa”.