Após o Reino Unido nomear, em 2018, uma ministra da solidão, Tracey Crouch, para enfrentar aquilo que denominou “crise de solidão”, em 2021 foi a vez do Japão criar um Ministério da Solidão, tutelado por Tetsushi Sakamoto, responsável por lidar com o aumento da taxa de suicídio, durante a pandemia de Covid-19, entre pessoas que residiam sozinhas – um total de 14 % da população japonesa.
Considerada uma endemia, segundo estudos recentes, a solidão se faz presente em diversos países, com impactos psicológicos e socioeconômicos importantes. Enquanto afeto político, a solidão é resultante da precariedade do sentido de comunidade, e consequentemente, do enfraquecimento da convivência e da substituição das relações reais pelas virtuais.
Com o capitalismo e o reforço do individualismo a partir, sobretudo, da noção de esforço individual para garantia de sucesso -do sujeito empreendedor de si, autossuficiente e dono do seu próprio destino – o sentido de comunidade foi perdendo espaço. O investimento no coletivo cedeu lugar ao investimento do eu, ensejando um arrefecimento da convivência e um enfraquecimento dos laços sociais.
Exemplo desse fenômeno, a hiperconectividade, que num primeiro momento pareceu servir à aproximação das pessoas, possibilitando diversos encontros que sem o advento das redes seriam impensáveis, na realidade serviu como mecanismo de defesa das relações interpessoais. Ao forjar uma ideia de constante companhia, já que as pessoas estão “ligadas” umas as outras virtualmente a maior parte do tempo, ela inviabiliza os encontros reais, cada vez mais incomuns, visto que, até quando estão próximas fisicamente – em posse de seus celulares, sempre em mãos – os olhos vidrados na tela determinam a distância intransponível entre os sujeitos “presentes”.
Até mesmo à arquitetura das cidades parece se acomodar à ideia de solidão. Cada vez mais verticalizados, os centros urbanos são invadidos por prédios. Armações aço e concreto se sobrepõem na paisagem citadina dando indícios de que casas com quintal, onde famílias se reúnem e recebem vizinhos e amigos para sociais, em bairros projetados de forma a possibilitar o senso de comunidade, dão lugar aos altos prédios, nos quais os moradores, alheios a quem vive ao lado, restringem-se a cumprimentos protocolares na área comum. Não à toa os studios, apartamentos de pequena proporção geralmente adequados à moradia de uma só pessoa, viram febre nas grandes cidades como São Paulo. Indício de que não só o sentido de coletividade vai se perdendo, como, também, cada vez mais pessoas optam por morar sozinhas.
No entanto, se a solidão como mal-estar contemporânea tem trazido consequências psíquicas significativas, como no caso do Japão, em que o isolamento resultou no aumento na taxa de suicídios, a solidão enquanto afeito político, ao minar o senso de solidariedade, acende o alerta para questões graves como a perda da noção de democracia, a exacerbação da intolerância, assim como um processo de dessensibilização.
Em suma, todos nós, em algum momento da vida, nos sentimos sozinhos, até mesmo quando rodeados de pessoas. Sentir-se sozinho ou até apreciar momentos de solitude que, em geral, não benéficos por serem momentos criadores e que nos levam a reflexões, é natural e constitutivo de nossa humanidade; todavia, a solidão crônica, que leva a adoecimentos graves, e a solidão como tendência, que se manifesta como efeito de um sistema político, mostram-se como imperativos para repensarmos o modo de vida contemporâneo.