Uma intensa agenda de atividades marcou a data em que a tragédia de Brumadinho, em Minas Geraus, completa quatro anos. Desde cedo, parentes e amigos dos mortos no rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, reuniram-se em um movimento coletivo de homenagem às vítimas e de cobrança por justiça. Às 7h30, eles foram acolhidos nas dependências da Paróquia de São Sebastião, onde apresentaram impressões do processo de reparação de danos causados pela ruptura da barragem da Vale na Mina Córrego do Feijão.
“Brumadinho não é a cidade da reparação. É a cidade da indignação, da dor e do sofrimento de cada um de nós, que acorda todo santo dia e dorme clamando por justiça, que é o mínimo”, disse Silas Fialho. Ele chegou a trabalhar na mina Córrego do Feijão como assistente administrativo, mas deixou o emprego em 2016, quase três anos antes do rompimento da barragem. Na tragédia, ele perdeu um primo.
Uma missa também foi celebrada por dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte. Em seguida, os presentes caminharam até o letreiro de Brumadinho, na entrada da cidade, onde houve homenagens organizadas pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum).
A ruptura da barragem da Vale em Brumadinho é considerada uma das maiores tragédias ambientais e trabalhistas do Brasil. A estrutura que se rompeu operava respaldada por auditorias da Tüv Süd, que assinou a declaração de estabilidade. A avalanche de lama que se formou causou impactos na bacia do Rio Paraopeba e deixou 270 pessoas mortas, a maioria funcionários em atividade nas estruturas da mineradora. Os corpos de três vítimas ainda estão desaparecidos e são procurados pelo Corpo de Bombeiros.
A Avabrum refere-se às vítimas como joias. Na conta da entidade, são 272, considerando os bebês de duas mulheres que morreram grávidas. Durante as homenagens, foi anunciado o nome de cada vítima. “Nós nos preocupamos muito que outras pessoas não sofram o mesmo que nós. Por isso, temos de forma sistemática denunciado as barragens com condições precárias e nos somado às vozes que pedem mais segurança para os trabalhadores na mineração e para as comunidades próximas das minas”, registra texto publicado nas redes sociais da entidade.
A diretoria da Avabrum também leu uma carta enviada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na qual ela diz que é preciso o Brasil precisa superar o histórico de injustiças e que não é possível conviver com a impunidade. “Estive em Brumadinho, emocionei-me com a dor e o clamor de seu povo por justiça. Mas vi algo mais, que serve de lição para todos nós: o material duro da indignação sendo usado para construir esperança”, registra trecho da carta.
A agenda organizada pelos atingidos para lembrar a tragédia foi batizada de IV Romaria Pela Ecologia Integral a Brumadinho. Homenagens também ocorreram na tarde de terça-feira (24) durante uma carreata que partiu do Cemitério Parque das Rosas, onde algumas vítimas estão enterradas. A data foi lembrada também em outros municípios da bacia do Rio Paraopeba, como Sarzedo (MG), com missa organizada pela prefeitura, pela câmara municipal e pela Paróquia Santa Rosa de Lima.
Além de homenagear as vítimas, os atingidos cobram celeridade no julgamento do processo criminal e maior participação no processo de reparação de danos. Nesta semana, 16 pessoas ligadas à Vale e à Tüv Süd se tornaram rés na Justiça Federal e serão julgados por crimes ambientais e por homicídio qualificado. São os mesmos que respondiam a processo que tramitava na Justiça estadual. No entanto, em dezembro, o Superior Tribunal Federal (STF) decidiu que a competência é federal. Dessa forma, o julgamento precisará ser reiniciado.
Na esfera cível, vem sendo colocado em prática o acordo de reparação, que foi selado em fevereiro de 2021 entre a mineradora Vale, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública de Minas Gerais e o governo mineiro. Embora possam votar no destino de uma parte dos recursos envolvidos, os atingidos consideram que sua participação ainda é limitada e avaliam que há problemas nas ações reparatórias.
Em suas redes sociais, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), entidade escolhida pelos moradores de Brumadinho para atuar como assessoria técnica, diz que novos impactos têm sido constatados ao longo do tempo. “O rompimento da barragem da Vale e suas dimensões seguem alastrando seus danos em áreas como trabalho, renda e moradia; aumentando casos de depressão e uso de remédios controlados entre a população atingida; exterminando tradições e modos de viver; contaminando solo, plantas, animais e muito mais”, diz o texto.
Por sua vez, a mineradora Vale destacou em seu site o último balanço da reparação referente ao segundo semestre de 2022, que traz informações variadas sobre medidas socioeconômicas e socioambientais envolvendo, por exemplo, tratamento da água, obras de infraestrutura, gestão de barragens etc. “A Vale se solidariza com cada um dos familiares das vítimas do rompimento da barragem, em Brumadinho. Sabemos que são perdas irreparáveis e nos comprometemos a continuar trabalhando para minimizar os efeitos dessa tragédia”, diz mensagem de abertura da publicação.
Em Belo Horizonte, uma plenária organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) contou com a presença de representantes de diferentes instituições de Justiça e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que ouviu cobranças. “Queremos agora ter protagonismo. Em primeiro lugar, a gente quer que a justiça seja feita, que a Vale seja punida e que essa punição sirva de exemplo para que o crime não se repita de novo, porque 272 vidas foram ceifadas. E até hoje estamos sofrendo com insegurança hídrica e problemas de saúde”, disse Joelísia Feitosa, moradora de Juatuba (MG).
O ministro disse que é importante ouvir os movimentos sociais e que a tragédia não será esquecida. Silveira defendeu a adoção de novas práticas na mineração do país que priorizem o respeito à vida. “Vamos investir recursos e esforços na fiscalização ferrenha de segurança de barragens para impedir que eventos lamentáveis voltem a acontecer.”
Um ato também foi realizado hoje em frente ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, capital da Bélgica. Em Londres, a tragédia foi lembrada em uma cúpula de investidores sobre mineração realizada na Bolsa de Valores da capital inglesa. No evento, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) anunciou a criação de um instituto independente dedicado à promoção de padrões de segurança da indústria. Uma representante da Avabrum participará das discussões.
Agência Brasil