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Arlindo Cruz, o cronista do samba e sua trajetória de legado e resiliência

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Sambista integrou o Fundo de Quintal antes de seguir carreira solo

Arlindo Domingos da Cruz Filho (1958 – 2025) foi muito mais do que um cantor e compositor: ele foi um dos pilares que sustentaram a renovação do samba e do pagode no Brasil. Nascido no subúrbio carioca, em Marechal Hermes, Arlindo Cruz se consagrou como um multi-instrumentista virtuoso, dominando o cavaquinho e o banjo, e se tornando um cronista sensível do cotidiano brasileiro. Sua jornada é marcada por uma paixão precoce pela música, herdada do ambiente familiar – seu pai era seu primeiro professor de cavaquinho. Essa base sólida o levou a se aventurar no violão clássico e na teoria musical, preparando-o para a revolução que estava por vir no samba carioca.

O sambista se formou nas rodas mais tradicionais do Rio de Janeiro, em especial no Cacique de Ramos, no bairro de Ramos, um bloco que se tornou o berço da nova geração de sambistas e pagodeiros. Foi lá, aprendendo ao lado de mestres como Jorge Aragão, Beth Carvalho e Almir Guineto, que Arlindo rapidamente se destacou como um compositor de mão cheia. Logo no primeiro ano de Cacique, teve mais de dez canções gravadas, provando seu talento singular para a melodia e a poesia.

O marco Fundo de Quintal e a consagração solo

A consagração definitiva veio em 1981, quando Arlindo Cruz foi convidado a integrar o grupo Fundo de Quintal, substituindo Jorge Aragão. Sua entrada foi decisiva. Ao longo de 12 anos, ele não apenas atuou como cavaquinista, banjista e vocalista, mas também contribuiu significativamente para a identidade sonora do grupo, que introduziu instrumentos como o banjo-cavaquinho, o tantã e o repique de mão no samba, transformando o gênero para sempre. Clássicos como “Seja Sambista Também” e “O Mapa da Mina” carregam a assinatura e o talento daquele período.

Em 1993, buscando explorar sua veia autoral e carismática de intérprete, Arlindo Cruz lançou sua carreira solo. O sucesso foi imediato, expandindo seu alcance para além do círculo do pagode de raiz e conquistando um público mais amplo. Projetos como o “MTV ao Vivo” (2009) demonstravam sua versatilidade e a profundidade de seu repertório. Sua obra como compositor é monumental: são mais de 500 músicas gravadas, muitas em parcerias icônicas com nomes como Sombrinha e Jorge Aragão. Sucessos como “Meu Lugar”, “Ainda É Tempo Pra Ser Feliz” e “Coisa de Pele” são hinos que atravessaram gerações e consolidaram Arlindo como um dos maiores ícones da MPB. Ele também foi peça fundamental na ala de compositores da Império Serrano, sua escola de samba do coração.

A batalha pela vida e o legado eterno

A trajetória vitoriosa de Arlindo Cruz sofreu uma interrupção dramática em março de 2017, quando sofreu um grave Acidente Vascular Cerebral (AVC). Este evento iniciou uma longa e difícil batalha pela saúde, exigindo anos de cuidados médicos intensivos, fisioterapia e o inabalável apoio de sua família, especialmente de sua esposa, Babi Cruz. O sambista, que já enfrentava problemas de saúde como artrose e diabetes, demonstrou uma resiliência impressionante, tornando-se um símbolo de luta e fé.

Mesmo com as sequelas que o afastaram dos palcos, o legado de Arlindo Cruz permaneceu vivo e pulsante. O samba se recusou a esquecer o seu mestre. Em 2023, a Império Serrano prestou uma emocionante homenagem ao sambista, escolhendo-o como enredo de seu desfile, um momento que culminou com a aparição de Arlindo, em sua cadeira de rodas, no último carro alegórico, sendo ovacionado pelo público na Sapucaí. Seu falecimento em agosto de 2025, aos 66 anos, deixou uma lacuna profunda na música popular brasileira, mas também a certeza de que sua obra, um tesouro de poesia e ritmo, continuará a tocar e inspirar, garantindo seu lugar eterno no panteão do samba.

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