Eis o homem, recém inaugurado de sua fonte de sonhos, a luz do meio dia ofuscando-lhe; dilacerado pela alegria que seu corpo não pode suportar, desconhecido de si mesmo, pétala de uma flor que não desabrochou, negação da negação; aí se afirma, irrelevante de olhar altivo. Infinitesimal semblante de superioridade que imita dos demais e os demais dos demais até que a gravidade não mais o permita, se é que ela pode não-permitir.
Eis o homem, filtrado de si mesmo com suas vaidades; polimorfo, cada momento um si mesmo, cada viagem que se faz um novo aventureiro e um novo barco; um novo porto, novo cais e renovada sensação de tempestade e bonança e tempestade e bonança e… uma busca febril pelo equilíbrio confunde-se e a busca é também pela imortalidade e, antes de atingi-la ou mesmo saber se isto é possível, defronta seus seres, suas quimeras, ninfas e seus heróis e todos habitam seu íntimo e ele pressente que habitam os íntimos daqueles nem tão íntimos mas compreende que existem fora e independentemente dele – os seres – que são, na verdade, seres da imortalidade e que todos os acordes que sua imaginação puder sobreviver podem não alcançar essa magnitude, mas algo em sua sensibilidade lhe diz que qualquer ser habita seu espírito e os espíritos dos demais habitam o seu espírito e o fato dele não saber ou não sentir isso não é prova alguma de que não seja verdade, pois não sentimos os andares onde estamos ou palpitamos; não sabemos a forma de um cúmulo que ficou estacionado sobre nós quando parados esperando o tempo. E o Tempo apresentou-se como Deus.
Eis o homem, finalmente acabado para que principie qualquer coisa; ultrapassagem das antíteses, criador de si mesmo como criador e criatura de um outro como criador e criatura. Arquipélago de certezas, mago das brumas, filho do fogo. Instância entre a força da teia e a delicadeza que sustenta as delgadas pernas sobre a água. Entre os pontos que o separam de seu corpo, acaricia o corpo do mundo e sonha um sonho imenso, intenso, num segundo.
Alfredo Barreto Sampaio