Jornal DR1

JORNAL DR1

Edições impressas

Ars Gratia Artis: Calabouço Infinito

Em meio à luz forte, o humanoide encharcado se ergue. Cego pela claridade, o ser caminha em frente de forma desengonçada e tímida, ajustando sua visão gradualmente para cada passo dado. Uma vez que conseguia enxergar, a criatura se via em um corredor de trajetória circular. Sua estrutura, formada por pedras irregulares que constituem o chão, teto e paredes. A luminosidade, que antes apresentava um caráter místico e angelical, é agora vista como uma fraca chama de uma vela enferrujada no canto do piso rochoso. Sua aparência é familiar para a entidade, que se enfurece pelos sentimentos amargos que o objeto faz aflorar. Ela, porém, não consegue expressar sua insatisfação. Sua consciência se tornou prisioneira de sua própria carne. Nem se lembra por quanto tempo esteve à mercê dos corredores. Tudo o que pode fazer é continuar andando entre os pedregulhos até achar algo diferente; algo que quebre seu ciclo. 

 

Assim, continua o indivíduo torto; tropeçando seus passos em ritmos desconexos apenas para avançar. A luz, que antes o cegava, lentamente se despede de seu campo de visão. A única iluminação presente é a formada por uma fonte desconhecida que atravessa os buracos imperfeitos formados pelos muros de cascalho. Sons dispersos de goteiras ecoam pelo caminho aparentemente interminável. A combinação sensorial, por mais indescritível em termos lógicos, causa e acentua a sensação de sufocamento já existente nessa masmorra; nesse enorme mecanismo de tortura, conceptualizado e criado por mãos inteligentes. A criatura prossegue por voltas e reviravoltas; por subidas e descidas no solo desconfortável e pontiagudo que molhava seus frágeis pés de sangue. 

 

No meio de sua trajetória, seus pensamentos ilegíveis são interrompidos. Diante de seus olhos, algo lhe chamava atenção: uma janela. Do outro lado, o pobre animal consegue finalmente ver com clareza… sem extremos de cegueira causados pela luz ou sua falta. Ele vê as nuvens de um céu limpo; a lua em um belo dia. Estrelas brilhando sem serem vistas; promessas de tudo o que poderia ter sido. A luminosidade fraca do outro lado banha sua pele pálida, trazendo uma sensação de conforto. Mesmo com suas lembranças afetadas, essa visão é imediatamente reconhecida como um eco perdido de sua psique em pedaços. Em desespero, o organismo tenta buscar uma forma de sair pela cavidade enfeitada. Sem perceber a altitude do lugar que estava, porém, entra em queda livre. Ele cai por horas, sem compreender o que está acontecendo. O clarão do Sol reflete na superfície de um lago logo abaixo; um corpo aquoso sendo sua última visão antes do impacto, tudo o que lhe resta é esperar. Esperar o seu corpo ir até o fundo do lago e ressurgir ao lado de fora em meio da potente claridade, que ia se erguendo ao seu lado, uma última vez.

Bernardo Marinho Sampaio

Confira também

Nosso canal

Podcast casa do Garai Episódio #20