Autor : Álvaro Roux Rosa
A carta, solitária, voa pelo céu furado. O som do papel dançante pelas nuvens, por mais que sutil, era o suficiente para chamar a atenção de um ávido caçador de pergaminhos; Geoberto, a coruja. Rapidamente, com um movimento elegante, a misteriosa ave agarra o envelope em pleno ar usando seu bico. Satisfeito com o seu mais novo achado, ele volta para sua casa escondida entre as árvores, acompanhado apenas pelo objeto e o ensurdecedor uivo da noite.
Entrando pela porta moldada na madeira, Geoberto se acomoda. Ele acende a luz de sua velha e confiável lamparina, revelando um pequeno quarto com uma mesa ocupada por materiais de escrita; seus tesouros mais preciosos. Cada trecho de jornal, documento fiscal e folha de caderno que se perdia encontrava abrigo na residência da coruja.
Com a carta encontrada sendo colocada junto dos outros achados, a ave tenta se arrumar para lidar com o resto da noite de forma confortável. Buscando pelas paredes, o experiente caçador de papel se coloca na frente de seu único quadro emoldurado na parede; um que tinha uma foto sua em boa postura. Geoberto finge que a imagem é um espelho, ajeitando suas penas enquanto mantém contato visual fixo nela. Quando termina o processo, ele se vira para a mesa e ri. Se ri de sua atitude, solidão ou si mesmo, é um mistério, já que nem o próprio sabe.
Geoberto se aproxima da mesa e se prepara para a sua parte favorita do dia, que é a de analisar seus espólios. Separava em blocos os materiais recém-descobertos e os antigos que gostava. Adorava também escrever sobre o que achava, porém dava prioridade para o período de leitura dos textos perdidos.
Começou a noitada com um dos primeiros que encontrou; uma folha levemente amassada de um caderno escolar. Seus conteúdos eram de álgebra básica de um estudante que não aparentava entender a matéria. Marcas de borracha e rabiscos acampavam em todos os cantos da página, com poucos acertos em seu verso. Por mais que fosse simples, sentimentos de nostalgia sempre impregnavam a mente da coruja. Talvez pela época em que problemas fáceis eram os únicos, ou quando era possível triunfar pelas pequenas vitórias. Independentemente do que fosse, as emoções não falharam em trazer uma sensação calorosa em seu coração.
A próxima que escolheu para ler foi uma que apanhou mais cedo nesse mesmo dia: um convite para uma festa de aniversário. O cartão tinha uma estética vibrante, porém descolorida pelo tempo que passou abandonado. Os textos pequenos repletos de entusiasmo enchem Geoberto de alegria por um momento. A positividade gerada pelas mensagens festivas, entretanto, se desenvolveu no seguinte questionamento reflexivo: se fizesse um evento como o descrito, alguém sequer surgiria?