O Sonho mal interpretado
Huayna Cápac teve medo da peste. Encerrou-se e, em seu isolamento, teve um sonho no qual três anões vinham a ele e lhe diziam: “Inca, viemos buscar-te”. A peste alcançou a Huayna Cápac e este ordenou que o oráculo de Pachacámac interpretasse que coisa deveria ser feita para que ele recuperasse a saúde. O oráculo declarou que o pusessem ao sol, que assim sararia. Saiu o Inca ao sol e em seguida morreu.
Bernabé Cobo, Historia del Nuevo Mundo
Sonhos caseiros
O escritor latino do século V Ambrósio Teodósio Macróbio, autor das Saturnais, escreveu um difundido Comentário ao Sonho de Cipião, capítulo VI d’A República (de Cícero), onde se recomenda o sistema de Governo que imperava em Roma na primeira metade do século I a.C. e se descreve uma cosmogonia de origem platônica e pitagórica. Macróbio alerta sobre os sonhos comuns ou domésticos, ecos da vida cotidiana — o amor, a comida, os amigos, os inimigos, a roupa, o dinheiro —, os quais não vale a pena interpretar, pois carecem do sopro divino que anima os grandes sonhos. No século XIII Albert von Bollstadt (?-1280), mais conhecido por São Alberto Magno, iniciou a conciliação escolástica entre a filosofia grega é a doutrina cristã, e teve por discípulo, em Paris, a São Tomás de Aquino. Em seu tratado Da alma coincide com Macróbio sobre a irrelevância dos sonhos menores e a sublimidade dos que estão animados por um sopro divino. Alberto foi um grande viageiro, interessou-se pelas propriedades dos minerais, dos elementos, dos animais e dos meteoros, e, em seu Tratado da Alquimia, logrou cercar-se de uma aura de magia. Não obstante, chegou a ser bispo de Ratisbona, dignidade que renunciou para reiniciar suas viagens. Não viu cumprido o sonho de todo o mestre: ser superado no tempo (já que não no saber) por seu melhor discípulo. Por ocasião da morte de Tomás de Aquino (1274), regressou a Paris para exaltar sua doutrina.
Rodericus Bartius, Los que son números y los que no lo son
A prova
Se um homem atravessasse o Paraíso em um sonho e lhe dessem uma flor como prova que havia estado ali, e se ao despertar encontrasse essa flor em sua mão… então o quê?
S. T. Coleridge
Extraídos do ‘LIVRO DOS SONHOS’, de Jorge Luis Borges