Jornal DR1

Ars Gratia Artis: O extraordinário reencontro de russo e seu pai preto

preto-velho

Vinicius Zepeda

Frio. Vazio. Solidão. Melancolia. Tristeza. Saudades. Angústia. Uma vontade enorme de chorar. Todos os sentimentos perfazem o coração de Lessa quando abriu os olhos naquela escuridão. Ao perceber o que ocorria, o ateu Lessa ficou estarrecido. Então havia encontrado a resposta da pergunta de um milhão: havia vida após a morte.

Filho de uma família de intelectuais, de classe média, Lessa havia perdido muito de sua vida ao fazer escolhas erradas. Oportunidades perdidas. Histórias abreviadas. Relações mal resolvidas. Em muito pouco tempo o branco percebeu que havia perdido. Buscou ajuda. Muito teimoso. Achou que conseguia controlar. Que não tinha problemas.

No bairro do Santo Cristo, Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro, foi que Lessa conheceu o velho Araújo. Seu pai preto que com seu jeito bronco, tanto ensinava e dava amor. Ele foi inesquecível na vida de Lessa. Após se afastar do que lhe fazia mal, ele imitava os trejeitos do velho Araújo. Os dialetos daquele Preto Velho.

E foi quando Lessa caminhava pelo túnel escuro que clareava. As flores brotavam pelo caminho. O cheiro do mato, da folhagem era agradável. A terra era agradável de pisar. Um sentimento de plenitude de bem estar inundava o coração do branco. Sua saudade e tristeza iam pouco a pouco se dissipando.

Distraído, Lessa caminhava agora mais tranquilo. De maneira despretensiosa. Então foi surpreendido com uma forte tapa nos peitos. E aquela inconfundível voz de preto velho:

– Branco você nunca foi ateu. Você conta essa história. Mas quanta espiritualidade, quantos ensinamentos de amor e solidariedade você demonstrou para seus amigos. E quantos seus amigos seus aprenderam a te amar. Quantos choraram por você, por sentirem sua falta. E de quantos ele gostava muito.

E o velho Araújo deu outra tapa nos peitos dele, que riu. Após todas as fortes palavras do preto velho, o branco tentou segurar o choro, mas caiu em prantos. As lágrimas não cessavam de escorrer, o branco soluçava. Ao final do choro, sua alma parecia lavada. E foi quando o velho sorriu para ele que retribuiu, emocionado. E Araújo falou:

E os dois se abraçaram. Um abraço forte e caloroso, que parecia não ter fim. Lessa depois beijou a cabeça e as mãos do preto velho, em sinal de respeito.

Lessa tomou outro tapa nos peitos.

E foram juntos caminhando os dois. Rumo à eternidade. Um longo caminho a percorrer pela frente.