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Com os olhos habituados a enxergar na escuridão e na distância, Bara Exu observou cada canto daqueles arredores. Viu pessoas destruindo a si mesmas através de vícios variados, viu maldades premeditadas e outras praticadas como se fossem atos da mais perfeita normalidade. Viu injustiças, principalmente contra os mais fracos e indefesos. Com seus ouvidos, também atentos a tudo, ouviu mentiras, palavras de maledicência, gritos de ódio e sussurros de traição. Bará suspirou.
Serei eu o diabo da humanidade? – pensou ironicamente, ao lembrar o quanto era associado à figura do demônio. Passou horas observando coisas que estava habituado a ver todos os dias: mentiras, fraudes, corrupção, traições, inveja, e uma gama enorme de sentimentos negativos.
Foi quando estava imerso nesses pensamentos que Bará ouviu uma voz ao seu lado, dizendo naquele tom austero, porém complacente:
Alupô, Senhor Falante.
Bará ergueu os olhos e vislumbrou a figura altiva de Oxalá.
Èpa Bàbá – respondeu Bará, fazendo um pequeno movimento com a cabeça, em sinal de respeito.
Noto que está pensativo, amigo Bará – falou Oxalá.
Bará respirou fundo, contemplou novamente o horizonte e respondeu:
Trabalhamos tanto… e incansavelmente, mas os homens parecem não valorizar nosso esforço. ( …)
Não estão preocupados em discernir o bem do mal – resmungou Bará.
E você está, Senhor Falante? – tornou Orixá Oxalá.
Mais uma vez Bará gargalhou.
Para mim não existe o bem ou o mal. Existe o justo, bem sabe disso.
Então por que tenta exigir esse discernimento dos pobres homens?
Eu conheço os caminhos – respondeu Bará um tanto irritado – para mim não existem obstáculos, todos os caminhos se abrem em encruzilhadas. ( … )
Pobres homens – repetiu Oxalá.
Pobres homens – concordou Bará Exu – mesmo olhando o Universo de uma forma tão simplista, dividido apenas entre bem e mal, acabam sempre demonizando tudo, ( … ) e quase sempre eu é que sou o culpado.
Mas é você o responsável pelo mal? – perguntou Oxalá, admirando o horizonte.
Sou justo, apenas isso – respondeu Bará ( … )
Estou a serviço do Universo, de cada uma das forças que o compõe, inclusive do Senhor da Justiça( … )
Então, companheiro Bará, não temos porque lamentar. A ignorância em que vivem os homens é sinal de que ainda temos trabalho a realizar. A pouca sabedoria que possuem significa que ainda estão muito próximos ao ponto de partida e cabe a nós, não importa se chamados de “direita” ou “esquerda”, auxiliá-los em sua caminhada, que é muito longa ainda ( … )
Os homens (…) trilhavam os primeiros passos em direção ao progresso, pois não estavam órfãos de seus orixás e protetores.