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Ars Gratia Artis: Preta

Foto Divulgação

Por Vinicius Zepeda

Filha de doméstica solteira, Preta nasceu nos anos de 1960. De família muito pobre, viviam na Favela da Maré, Zona Norte do Rio, em casas de madeira presas no fundo do mar chamadas palafitas. Lavavam roupas nas mãos, com uma barra de sabão de coco, nas águas do Rio Faria Timbó. Ali também buscavam água carregando latas na cabeça. O fogão, improvisado, era de madeira recolhida nas fábricas locais. A carne, quando tinham, era curtida no sal grosso e seca no sol para durar mais.

Preta vivia durante a semana com a mãe num casarão na Urca, bairro da Zona Sul do Rio. Por isso, estudou numa escola pública de lá. As poucas crianças daquela casa não brincavam com ela. Sua companhia eram os cachorros ou os livros, que adorava. Havia ali uma enorme biblioteca onde conseguia ficar lá por horas. A família rica do casarão foi uma das primeiras a ter TV no Brasil. Porém, as pretas só podiam assistir uma hora de TV por semana, sentadas no chão. E só se ninguém da família quisesse.

Aos finais de semana voltavam para casa, onde por três vezes perderam tudo nas enchentes. A essa altura, Preta estava na adolescência e não conseguia ficar indiferente às crianças abandonadas que comiam e dormiam nas pilhas de lixo e eram mortas atropeladas pelos caminhões.

Preta terminou o Ensino Médio e foi oradora da turma. Em seu discurso, emocionou a todos. “Não há limites para quem sonha e estuda de verdade. Sou preta, pobre e favelada, com muito orgulho e dignidade. Carolina Maria de Jesus escreveu a história de muitas pretas como eu. Essa preta aqui ainda vai longe. Sei que para mim é tudo muito mais difícil, mas eu não tenho medo”. E não teve. Fez faculdade, passou em concurso, saiu da favela. Comprou e levou sua mãe para morar com ela numa casa no bairro da Penha, Zona Norte do Rio. Infelizmente sua mãe morreu nova, somente dez anos depois.

Um dia, Preta conheceu o pai de suas duas filhas. As meninas nunca tiveram qualquer privação. E elas adoravam aquele espírito fruto das raízes de sua mãe: feijoada, dobradinha, mocotó, comida baiana, samba, pagode, festa, almoço para amigos…

Graças aos estudos, Preta conheceu África, China, Marrocos, Tanzânia e muitos outros países, fora o Brasil inteiro. Encontrar formas de minimizar e combater os efeitos do Aquecimento Global é seu novo campo de estudo. Preta não quer parar nunca de aprender coisas novas.

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