Com laços vitais e sociais cada vez mais frágeis, o sujeito moderno tem adquirido uma indisposição a experiências essências à existência como a dor e a angústia e, incapaz de lidar com o próprio desamparado, recorre a mecanismos que estanquem todo e qualquer tipo de emoção negativa.
Notadamente, na sociedade moderna, com o reforço do individualismo e a promoção do indivíduo empreendedor de si mesmo, tem-se um movimento de arrefecimento das relações interpessoais e um empobrecimento dos recursos que nos permitem extrair prazeres da vida – uma vez que o que passa a ter valor é o que é instagramável -e curtido – e não o que é vivido – “em off”.
Parafraseando Freud em mal-estar na civilização, “a sociedade moderna trocou uma parcela das suas possibilidades de felicidade, por uma parcela de qualquer coisa que a valha”. Isto é, as possibilidades de felicidade na vida deram lugar a um ideal deturpado de felicidade que julga que qualquer coisa que aparenta felicidade, é felicidade – isso inclui uma vida sem dor (o que é impossível) e uma vida perfeita (igualmente impossível) postada nas redes sociais.
Nesse movimento de alcançar o inalcançável, no entanto, desvia-se da vida real. Ao esquivar- se da dor e da angústia, emoções intrínsecas a todos nós, perde-se aquilo que justamente dá sentido à existência: a capacidade de reinvenção. Como sabiamente nos advertiu Cecília Meireles “A vida só é possível reinventada.” A felicidade, por esse prisma, não se trata de um estado de bem-estar ininterrupto, mas de um estado de permanente compromisso com a vida. Ou seja, aquilo que o psicanalista Contardo Calligaris chamou de “vida interessante “, e que consiste na entrega à vida em sua plenitude, com seus sabores e dissabores, todos únicos em uma vida que, igualmente única, não se repete.
Do dito popular “só se vive uma vez” ao amor fati nietzschiano, o apelo à entrega à vida em sua inteireza implica a aceitação do sofrimento como sua parte constitutiva, não resignação. Aceitar a dor e vivê-la como experiência importante não significa, de forma alguma, resignar-se ao sofrimento. No entanto, se negar a dor convoca anestesiamento (a crescente medicalização das emoções, por exemplo) não negá-la pressupõe fazer algo com ela: reinvenção – aquilo que nos reconecta à vida e extrai dela legítimos momentos de alegria.